quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Estou doente, e agora?


Parece que a vida da gente foi um troço feito para definitivamente virar de pernas para o ar de vez em quando. E isso serve tanto para o pior quanto para o melhor.
Neste caso, recebi uma notícia bastante desagradável no ano passado.
Comecei a remar e descobri no remo “o esporte da minha vida”. Algo que juntava o prazer proporcionado por uma atividade física completa à tranqüilidade proporcionada pelos momentos de meditação e silêncio diante do espetáculo de ver o nascer do sol três vezes por semana, fizesse frio ou chuva. Tranqüilidade tão grande que me fez abandonar os ansiolíticos para controlar as crises e ainda capaz de me fazer manter o equilíbrio diante do estresse produzido pelo trabalho.
Depois de um determinado tempo, umas dorezinhas chatas que eu já sentia antes quando praticava capoeira e futsal, começaram a aparecer com mais intensidade e freqüência, o que fez com que eu procurasse um ortopedista para verificar o que estava acontecendo.
Em poucos dias me vi com o remo, o futebol, os sapatos de salto, as caminhadas, a dança nas festas, tudo cortado por conta de extensos laudos de raios-x, ultrassons e ressonâncias magnéticas. E ainda lido até hoje com o desconhecimento da causa de tamanho problema, pois a cada novo especialista que preciso consultar, o mesmo só tem agenda para pelo menos dois meses à frente.
Desgastes prematuros diagnosticados nas articulações dos quadris e joelhos, dores ocasionais nos ombros e tornozelos que sequer investiguei a fundo pois hoje em dia para cada “junta” tem um especialista diferente.
E agora? Tive cortadas exatamente TODAS as coisas que são capazes de manter minha cabeça funcionando sem a ajuda dos malditos remédios, e, claro, pirei o cabeção. Junto com a receita dos analgésicos, veio a receita do anti-depressivo e um afastamento por trinta dias das atividades laborais, que diante dos “não-diagnósticos” e persistência das dores ainda que de forma esporádica a cada episódio de um pouco mais de esforço além do repouso recomendado, se estendeu por mais noventa dias.
De uma hora para outra me vi em casa, não inválida, mas cheia de restrições as quais a pena pelo descumprimento eram as dores.
E agora, como ficar em casa esse tempo todo sem dar uma caminhada, remar ou jogar uma bola?
Optei por não tomar os anti-depressivos, apenas os medicamentos para a dor. Passados alguns dias comecei a “saborear” algumas coisas. Cozinhar depois de trabalhar um dia inteiro, com a cabeça cheia de problemas é insuportável, mas cozinhar de cabeça fresca, planejando o cardápio, fazer aquele prato que há muito tempo não fazia mas com tempo de sobra é outra coisa, ver isso reconhecido por quem divide a vida com você é melhor ainda.
De todas as restrições que tive, apesar dos protestos do médico por outros riscos, mas não o de agravamento do problema de saúde existente, pude continuar andando de moto.
Vieram as primeiras festas e convites para o barzinho, que na primeira semana fui com cara de enterro, mas com o tempo fui vendo que não usar um salto e não dançar não impede ninguém de se divertir num bar, num show, numa festa.
O afastamento me fez valorizar o tempo e o tempo me fez valorizar as pessoas. Quando você tem tempo, passa a conviver com pessoas que também tem tempo e percebe o quanto elas são mais felizes quando o ocupam de forma sábia.
Assim sendo, tendo a moto por meio de transporte, pude saborear coisas incríveis como no meio da tarde poder visitar um amigo no hospital que acabara de se tornar pai, passar o dia com meu pai, sobrinho, amigo ou parente que sentisse saudade.
Pude ler livros há tanto adiados pelo sono, cansaço e nervosismo, bem como adiar a leitura dos livros adiados para tirar uma soneca numa tarde de chuva, ou para pegar a moto e ir até uma praia numa tarde de sol, ainda que não pudesse aproveitar para dar uma caminhada. Sentar-se à frente do mar e admira-lo já é inspirador o suficiente. Entrar nele é refrescante o suficiente, e em alguns dias até servia como “bolsa de gelo para toda a parte de baixo do corpo”, dando alívio à sensação de dor.
Me dei ao luxo de fotografar meus bichos, as variações do tempo, a lua cheia, de andar duas quadras para fotografar o mar na beira mar de São José, ou sair de moto e parar na beira da estrada para fotografar qualquer coisa que achasse interessante. Uma das fotos que tirei nesse período é a que ilustra este texto.
As oportunidades que se sucederam foram tantas, os momentos felizes tantos que não pude reclamar da vida nesse período de afastamento, mesmo apesar dos dias em que precisei ficar na cama por causa das dores e sensação de peso nos membros inferiores.
Ao contrário, agradeci e muito, pois uma coisa muito ruim me trouxe outras muito boas e o que fiz com essa coisa ruim foi uma opção de vida. Poderia ter ficado sentada o dia todo reclamando por não estar “na ativa”, jovem desse jeito, mas preferi explorar novos horizontes.
Esse período de afastamento inclusive me possibilitou encarar mais um desafio de superação de um medo antigo, que relatarei em breve.
Claro que o tipo de problema de saúde favoreceu, pois há pessoas que não tem a possibilidade sequer de sair de casa, tamanha incapacidade provocada pelos seus problemas  e claro, há sempre os que acham que pelo fato de você não estar paralisado nem mutilado, por continuar se arrumando e se valorizando, está simplesmente fraudando a previdência para não ter que trabalhar, pensamento inclusive compartilhado pelo segundo perito que me atendeu. Imaginem, se eles consideram aptas ao trabalho pessoas mutiladas, que dizer de alguém que se apresenta diante deles com boa aparência apesar dos exames que comprovam as limitações?
Independente disso, estou voltando às atividades depois do carnaval, não tenho medo do que possa vir à frente, apesar de uma enorme vontade de não mudar uma linha na vida que vivo hoje. Quando voltar, porém, poderei dizer que depois de vinte anos de vida laboral, eu tive o direito de viver intensamente durante cinco meses.
Ainda não sei qual é o problema de saúde que tenho, continuo investigando, só sei que se não for grave, terá sido um presente que recebi ao invés de uma prova, e se for algo grave, será uma prova que tenho confiança que conseguirei superar, pois cada vez mais me convenço que independente do corpo físico que habitamos, nosso espírito não tem limites e é através da forma como nós o alimentamos que ele se torna cada vez mais forte e capaz de superar todas as adversidades.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Tratamento de choque...

Para abrir as postagens deste blog, vou "transplantar" um texto que coloquei em meu outro blog: O Geographo, relatando a vez que resolvi voar como parte de minha automedicação para as fortes crises de pânico que me afligiam. É um texto de março de 2009, que eu sempre gosto de reler e relembrar:



"MINHAS FÉRIAS"

Quem não lembra do tempo de escola, que quando voltávamos em março, das férias, tínhamos que escrever a fatídica redação: “minhas férias”?
As férias eram legais, mas sempre iguais, praia, sorvete, cachoeira e pelo menos por uma semana éramos despachados para o sítio de alguma tia para encher a paciência de terneiros, ovelhas, e claro, das tias também.
São lembranças doces e ternas, de coisas que nos põem em comunhão com a natureza, com a família, com coisas demasiado boas, mas que um dia, pelo desenrolar da vida cotidiana, vão acabando, até que a própria lembrança também nos fica distante.
Chega, assim, o dia em que não precisamos mais escrever a fatídica redação e se ainda fôssemos obrigados a escrever seria algo como: “Peguei o dinheiro das férias para pagar dívidas, e, não tendo sobrado muito, vi alguns filmes no DVD comendo pipoca”. Ou até dá para ir a alguma praia desde que se tenha (uhuuuuuuuuuuuuuuuuu!!!) muita força de vontade para encarar três ônibus e dois terminais além das filas.
Não vou dizer que é ruim pegar vinte ou trinta dias para simplesmente dormir até as duas da tarde todos os dias e virar a noite vendo filmes, porque não é. Mas também isso não produz muita adrenalina.
O fato é que as férias deste ano mereceram uma redação, que nem me é mais fatídica de fazer, porque tiveram um gosto muito diferente, tiveram gosto de vida.
Dizem algumas pessoas que anos terminados em 8 são agourentos. Olhe, eu não acreditava nisso até passar pela prova dos 88, 98 e 2008 que foram verdadeiros infernos em vida. E o ano passado foi cruel: fim de uma segunda habilitação na UDESC num curso que já estava me durando seis anos, junto com crises de depressão e síndrome do pânico. O din din das férias do ano passado me serviu para pagar a habilitação de carro e moto, das quais só consegui tirar carteira de moto, porque as crises de pânico não me deixaram tirar carteira para carro. Joguei o dinheiro fora, não aproveitei as férias e ainda me senti a derrota em pessoa.
Como todas as coisas repetitivas nesta vida nos enchem demais a paciência, em 2009 resolvi chutar o balde, com os dois pés. E a primeira coisa que me encheu a paciência foi essa tal de síndrome do pânico. Oras, uma moto zero, uma habilitação para dirigir e eu definhando dentro de casa com medinho de morrer. Morrendo cada dia um pouquinho, sem que me desse conta. Pensei, vai lá...se eu quebrar uma perna estou no lucro, se acontecer o pior, pelo menos estava tentando viver da melhor forma possível.
Decretei que em 2009 ia fazer coisas diferentes, e estou fazendo. Comecei um curso de mecânica de moto no SENAI, estou dando aula num cursinho pré-vestibular de geografia física, sendo que minha monografia foi na área de humanas e por aí segue.
Cansei de rotina. Chega de rotina! E apliquei isso também às minhas férias.
Fiz a lista das coisas que me borrava de medo. Tremia de pensar em atravessar a avenida Beira-mar norte. Passei por ela e fui até o norte da Ilha, mais precisamente na Cachoeira do Bom Jesus. Dei umas bandas para o Sul da Ilha no dia seguinte. Fiz uma mochilinha e resolvi “viajar” de moto até Palmas (Governador Celso Ramos), mas chegando em Biguaçu, vi o maior temporal armado para os lados de lá e voltei, afinal, me reservo ao direito de ainda ter medo de alguma coisa, e para mim moto e chuva não combinam muito não, só se for necessário mesmo e olhe lá.
Para encerrar as férias com chave de ouro, lembrei de um antigo convite do Tio Hiram, para fazer um vôo já que ele é um dos mais novos comandantes do aeroclube de São José. Pensei, lá em cima será o maior dos testes. Se eu tiver medo, terei que agüentá-lo e firme, porque não tem como descer.
A partir daquele lema de infância “nas férias, alugue um tio”, trocamos alguns emails, e no dia 22 de março de 2009, mais precisamente, cheguei de manhã aos hangares do aeroclube.
Depois de me tranqüilizar inspecionando e abastecendo a aeronave na minha frente, me apresentou ao “vovô”, lá conhecido como vovô Paulistinha (CAP-4 PT-ZMP, uma aeronave produzida em 1943), e em seguida entramos e nos dirigimos à pista.
Engraçado que já tinham me falado horrores dessas pequenas aeronaves, que chacoalhavam muito, que na turbulência parecia que iam cair, que pra descer chegava quicando... enfim, já com tudo isso na cabeça nem percebi que já estávamos acima das construções da região.
A primeira lembrança que me veio à cabeça, foi a do livro O Pequeno Príncipe (sim, li, e daí? Já posso ser miss, hahahaha). Saint-Exupéry, muito conhecido no Campeche por “Zé Perri”, atravessava a cordilheira dos Andes em aeronave semelhante e em seus escritos, filosofava: quantas casas lá em baixo, quantas luzes. Em cada uma delas uma famíla, algumas vidas. O que será que cada um deles faz neste exato momento?


O segundo estágio, já no topo do Cambirela nos coloca diante da nossa pequenez. Nos achamos grandes perto de um carro ou uma casa, ou do próximo, mas o que somos perto do “pequeno” Cambirela? A “quantidade de mundo” que dá para ver lá de cima embriaga. A gente esquece que não tem chão em baixo. Até se lembra quando atravessa alguma pequena turbulência, e se agarra às portas ou a qualquer outra coisa, como se fosse adiantar muito, mas o que se vê lá em cima, faz esquecer o resto.
O tempo parece parar. Ao contrário de um vôo comercial, a movimentação da aeronave é lenta, tudo é mais lento, a cabeça viaja a mil. Ainda mais cabeça de geógrafa, que quer fotografar aquela foz de rio ali, aquela erosão acolá, aquela ocupação em área de risco, ai socorro, até a máquina fotográfica se torna lenta demais.
Não sei explicar, se não tivesse voado com esse “olhar geográfico” talvez tivesse sentido mais medo, ou mais tensão, ou tivesse pedido para sair, mas não. Queria morar lá.
O dia estava quente, e pela possibilidade de viajar com a janela aberta, pude sentir o “gosto” das nuvens e constatei: são geladinhas! 


Ver as coisas lá do alto também nos reporta à filosofia budista, quando esta diz que nós e “nossa casa” somos uma coisa só, e que o que fazemos ao mundo e ao próximo tem reflexo em nós mesmos. O agrotóxico que o proprietário do sítio que vi às margens do Rio Cubatão utiliza, contamina as águas do rio que nos abastece, que desemboca no mar, contaminando os peixes (e o próprio mar), e essa água e esse peixe logo estarão contaminando ao proprietário do sítio. Nossa pequenez não nos deixa visualizar isso daqui debaixo, e nossa megalomania só nos faz piorar as coisas. Sempre ouvi dizer que nos distanciando um pouco do problema é que conseguimos enxergá-lo melhor. Se as pessoas voassem mais, pensariam mais no planeta em que habitam, tenho certeza!
Foi um presente antecipado de aniversário, e como eu mesma falei ao tio Hiram, um daqueles que a gente não esquece para o resto da vida. Chego mesmo a dizer que ninguém deveria morrer sem antes saber qual é essa sensação. Todo homem uma vez na vida deve se meter a peixe e a passarinho (a tatu também), já que nossa rotina de bichos-preguiça pouca coisa especial nos reserva. Ainda me falta mergulhar, quem sabe não fica para as próximas?
Só tenho mesmo é a agradecer pela oportunidade e dizer que superei mais um medo, metade graças á força de vontade, e outra metade graças à confiança que o comandante inspira em sua tripulação. Valeu, tio!

 
Nossa, já ia esquecendo de apresentar - Acima: Tio Hiram, o comandante. Abaixo: o vovô!