sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A Princesinha e a Motocicleta



Este texto foi escrito em maio de 2014, e publicado originalmente em um blog que a memória agora não me deixa lembrar o nome nem o endereço. Foi um blog idealizado pelos amigos Adans Jirschick e Assad Abdala Ghazal. Era para ter sido publicado aqui e para variar também não achava o arquivo original. Estou republicando conforme foi escrito, pois quem costuma escrever sabe que às vezes a tentativa de aprimorar acaba estragando, então segue o texto conforme a versão original:

Fonte da Imagem: http://www.desenhoswiki.com/galerias/desenhos-infantis-de-motos
 

O tema sobre o qual me proponho a escrever agora, é um tema que sempre tive vontade de me aprofundar. Sempre mencionei de forma rasa, em observações, postagens, conversas, mas nunca desenvolvi em forma de texto, até porque falar sobre temas “comportamentais x inerentes ao gênero” sempre dá muito pano para a manga. Resumindo: coisas de homem x coisas de mulher.
Pretendo escrever com base em vivência, experiência e observação, sem a pretensão de ter que comprovar cada afirmação com uma referência bibliográfica de “Freud e sua gangue”. O que vem a seguir, foi vivido e sentido e sou grata por ter sido assim.
Tenho 41 anos, moro em São José, na grande Florianópolis/SC e tenho carteira de habilitação somente de categoria “A”, há seis anos. A única referência forte que tive do motociclismo foi uma tia, irmã da minha mãe, que pilotava motocicletas desde que comecei a me entender por gente, quando pilotar moto era coisa “para cabra macho”.
Eu não me dava conta da raridade que ela era. Apenas da referência. Era a tia mais livre e feliz que eu tinha (e ainda tenho), e eu queria ser como ela.
Antes da paixão pelo motociclismo, meu pai me ajudou de maneira incrível a criar gosto por consertar coisas (ou tentar, pelo menos), ser curiosa, tentar descobrir como funciona, e ele será o tema principal do texto de hoje. Minha tia que aguarde pois ela será tema exclusivo de outro.
Domingo era dia do meu pai desmontar coisas. Ora o carro estava com um barulho estranho, ora a moto não queria pegar direito, a TV com chuvisco, o rádio mudo...sempre tinha uma coisa para desmontar, consertar, soldar. Quando não tinha absolutamente nada para consertar, ele inventava coisas. Comprava revistas de eletrônica e montava luzes que ligavam com fotocélulas, engenhocas que piavam como passarinhos ou imitavam grilos para esconder no quarto das visitas (quando desligava a luz, a fotocélula acionava o grilo. Acendendo a luz, ele parava), afinal, desde os tempos de meu pai que “a zoeira não tem fim”.
Quando ele inventava essas coisas, chamava sem distinção eu e meu irmão para ajudar. Sem essa de chamar só o macho da casa. Quem fosse a fim que viesse. Pegava a caixa de peças dele e pedia: “procura pro pai um capacitor”, ou a caixa de ferramentas:  “pega aquela chave de boca 17 pra mim – essa não! A 17!”, “Aperta esse parafuso aqui pra mim enquanto seguro a peça pelo outro lado”.
Assim éramos estimulados a aprender. E cada peça apertada não vinha sem uma explicação da sua função, ou de como se aperta, ou de porque se aperta. Mais genial ainda era quando o conserto não dava certo e ele encontrava uma alternativa, sempre dizendo “se não dá de um jeito, dá de outro, é só ter paciência”. E do jeito dele sempre dava certo, ainda que virasse gambiarra.
Assim foi com a mecânica, assim foi com a bola, assim foi com a pesca. Quem acordava às quatro da manhã para tirar isca com ele era eu, meu irmão não era muito chegado nisso. Ríamos e conversávamos no costão, sempre antes do sol nascer, melhor hora para pegar marimbau com caniço telescópico, e claro, enchíamos o balaio de peixes, pra desespero de pescador velho de costão que diz que se levar mulher para a pescaria, o peixe some.
A cada linha jogada errada, peixe na cara, peixe perdido, a bronca comia. Nessas horas também não tinha distinção. Criação igual, mijada igual.
Meu pai não teve “meu gurizão e minha princesinha”. Educou duas almas com o mesmo amor e respeito, estimulando a curiosidade e os interesses conforme iam se manifestando, sem podar. 
Houve também de minha parte um interesse por essas coisas. Nunca gostei muito do mundinho das panelinhas, vassourinhas e bonequinhas. Me entediava. Sempre achei o mundo dos meninos o melhor, sem querer ser um, apenas queria fazer as mesmas coisas. Isso às vezes tirava o sono, principalmente da minha mãe que tentava a toda força me convencer a querer ganhar bonecas, mas sempre rolava uma bola de vôlei, um skate, até autorama eu tive.
Tenho outra irmã, mas ela já veio em um momento diferente e circunstância diferente, e com gostos diferentes. Eu cresci com meu irmão, ela veio um pouco mais tarde.  Bem mais tarde e esses hobbies já não eram tão frequentes na rotina de meu pai.  Nem o interesse dela tão grande por essas coisas. E isso também foi respeitado.
Quando precisei adquirir um meio de transporte, cogitei a moto unicamente por uma questão econômica. Era o que eu podia pagar e ter, e para piorar eu tinha medo de ter uma, mas era escolher,  moto ou ônibus.
Minha primeira moto era ótima, mas muito mal servida em termos de serviços oferecidos na concessionária. Comecei a ter as primeiras grandes incomodações quando, por conta de problemas mecânicos por serviços mal feitos na própria oficina comecei a ouvir coisas do tipo “a senhora não sabe acelerar” (a moto morria por carburação suja e com peças deterioradas, posteriormente comprovada) e “a senhora não sabe pisar no freio” (quando o sistema de freio traseiro travou).
Apesar de participar daquela rotina do meu pai, eu não era aficcionada nem por carros nem por motos, nem motores, nem potências, isso pouco me importava, na verdade para ele também. Eu só curtia apertar e frouxar parafusos e ver como as coisas funcionavam. Quando comecei a me incomodar com mecânicos e oficinas, aquele tempo me voltou à cabeça, pensei que poderia ir um pouco adiante e talvez, mexer na minha moto. Se fuço no micro-ondas ou na máquina de lavar, por que não na moto?
Me inscrevi no curso de Mecânica de Motocicletas do SENAI e por três meses fiz uma verdadeira terapia.  Descobri que abrindo motores, limpando carburadores, colocando parafusinhos no lugar, organizando ao desmontar e achando o lugar de cada um na hora de montar, conseguia abstrair um monte de incomodações do dia.
No primeiro dia rolou aquela historinha de “oh, temos uma mulher na classe, em geral elas são feras, esforçadas, se destacam mais que os homens...” (zzzzzzzz tédio...). Não fui parar lá para provar nada, só queria aprender a mexer em motos.
Decepcionei o professor ao terminar o curso com nota mediana, afinal como todo mundo eu também matei aulas para beber cerveja no posto de gasolina, o que era proibido, ainda mais num prédio inteiro que tinha só duas mulheres (a outra fazia automobilística), logo eu que tinha que ser mau exemplo.  Outra bobagem que não me faz a cabeça: “se fizer coisa de homem, tem que ser melhor que ele, para se auto-afirmar”... ah, vá!
Saí de lá sabendo o suficiente para bater boca com mecânicos nas oficinas, como funciona um motor a explosão, sem nunca entender essa bruxaria que é o funcionamento da embreagem e praticamente incapaz de consertar minha própria moto a menos que seja algo realmente muito, muito bobo ou pequenas manutenções.
O fato é que hoje sei o que meu pai sentia simplesmente desmontando seu carro ou moto, mesmo sem ter defeitos a consertar, para conhecê-los. Conhecer seu comportamento, distinguir o que é barulho  característico e o que não é, saber que aquela peça não está no seu estado normal e simplesmente não ter a menor ideia de para que servem algumas outras.
Hoje me sinto feliz e realizada pelos momentos incríveis que a motocicleta me proporciona, seja ganhando o mundo por causa do exemplo do espírito inquieto, livre e aventureiro da minha tia, seja exercitando o conhecimento, a paciência, a reflexão para a resolução de problemas,  proporcionados pela educação igualitária que meu pai me deu, por esse tesouro que ele passou às minhas mãos. Isso educa para a vida, isso forja caráter e nos torna mais seguros e confiantes.
Eu não tenho palavras para agradecer ao Seu Raul, que ainda de vez em quando apesar das dificuldades vai lá fuçar na sua Santana Quantum, reclamando da vista ruim, da mão que treme, por ele nunca ter feito de mim a “princesinha” dele.
           

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Buscando Alternativas



Dia desses estava lembrando que precisava atualizar meu blog, afinal coisas para escrever não faltam, nem tempo também. Talvez tenha faltado mesmo vergonha, pois acabo de constatar que há quase três anos não apareço mais por aqui.

Desde a última postagem, muitas coisas aconteceram. Tentarei retomar de onde parei. O dito psiquiatra que me foi indicado se mostrou mais sem noção que eu. Passei um tempo sem medicação e depois comecei a tomar um medicamento utilizado para conter convulsões em epiléticos. Nas consultas até perguntava sobre o estado emocional e mesmo eu dizendo que estava melhorando e reagindo, vinham os aumentos de dose, o que eu particularmente não gosto, mas fui obedecendo, afinal o profissional era ele. Como não gostei da forma como era tratada, resolvi mudar de profissional, continuando com o acompanhamento da psicóloga.

Passei por outros dois que, atendendo por convênio, me recebiam numa consulta de 15 minutos e davam receita de qualquer coisa que eu dissesse que estava tomando ou gostaria de tomar, e mal perguntavam como me sentia, até que ao ultimo, que continuou com tratamento com o mesmo anticonvulsionante só que de outro laboratório, eu falei que não queria mais tomar aquela porcaria, pois eu não sentia nem irritação, nem dor, nem alegria e nem tristeza e que no mínimo na vida a gente precisa sentir essas coisas e aprender a reagir a elas. Ele disse que era o que tinha, mas poderia me dar MAIS remédios.

O tratamento de saúde mental no nosso país é considerado luxo, é praticamente inexistente e mesmo a quem tem convênio é ridículo e vergonhoso. Chapar alguém de remédio ad eternum além de ser bom à indústria farmacêutica do ponto de vista do lucro, é bom para os médicos que podem atender em série, em 15 minutos todos os seus problemas saem resolvidos. Mas e quem quer se transformar? Quem quer encarar, faz o quê?

Lembrei de um dos primeiros tratamentos que fiz na década de 90, quando não sabia nada de nada e me pegaram pelo braço e me levaram num médico que dava remédios que pareciam panacéias e mandava ler livros. Ignorante e sem noção, falei que o cara era muito louco e nunca mais voltei.

Vinte anos depois me deu o estalo, aquele cara muito louco trabalhava na linha da medicina antroposófica e essa foi a única saída que encontrei para tentar voltar a um estado normal. O tratamento com a psicóloga durou quase dois anos e foi muito importante para me ajudar a ver com outros olhos coisas do dia a dia que estavam minando minha sanidade. Encerrei o tratamento com ela e passei a me tratar unicamente com o “psiquiatra da medicina antroposófica”. Descobri que ele não atende por convênio e resolvi mais uma vez abrir mão de outras coisas para investir em mim, e tem valido a pena.

De forma bem ignorante da minha parte, o entendimento que tenho sobre a medicina antroposófica é o seguinte: ela observa o estado emocional das pessoas, analisa como isso influencia em seu estado físico e com base em uma análise do todo, são feitas as fórmulas que levam elementos a base de minerais, plantas, metais, animais, que vão tratar cada ser individualmente, me corrija alguém se eu estiver errada, mas de forma bem simplista é basicamente isso.

Troquei as malditas tarjas pretas por essas fórmulas e em um ano com elas estava liberada de tratamento para ansiedade, acabei permanecendo pois além de precisar de vigilância constante por conta da ansiedade, tenho tratado outras coisas como dores articulares e gastrite, com resultados excelentes. Para aquelas pessoas que querem tentar algo diferente, recomendo procurar um profissional da área. Agora chega de falar de remédios e vamos voltar ao motociclismo. Isso fica para o próximo post!

Fonte da imagem: http://mundo-de-ideias.blogspot.com.br/2014/06/a-esperanca-e-um-ato-de-resistencia.html