terça-feira, 30 de julho de 2019

The Litas

Quando criança, nunca tive muitas amigas. Para acompanhar nas brincadeiras, menos ainda. Nunca consegui enxergar nada de interessante em panelinhas, vassourinhas cor de rosa, bonecas que tomavam mamadeira ou faziam xixi nas fraldas. Pra ajudar, sempre me disseram que não podia confiar em outras mulheres, pois amizade entre mulheres não existe. E assim cresci jogando bola na rua com os meninos, caindo na porrada com eles e me esquivando da amizade das meninas.

Já mais jovem, a situação pouco mudou. Ainda não conseguia me encaixar naquilo que as pessoas viviam insistindo em dizer que DEVERIA ser o meu universo. As garotas da mesma idade casando, tendo filhinhos, falando de fralda, de cocô duro, de cocô mole, do marido que chegava em casa bebado e pouco contribuía, do cansaço pelo excesso de atividades domésticas e eu começando e largando uma faculdade atrás da outra, também com problemas domésticos, mas que também foi necessário correr atrás de resolvê-los. Nesse período, nunca tive amigas para sair e beber, mas sempre uma ou outra especial que eu podia contar para confidências e que isso era recíproco. Às vezes, inclusive, à distância. Nessa fase inclusive eu já era tão escolada que chegava nos botecos, sentava sozinha numa mesa, pedia uma dose de whisky e ficava viajando no som da banda numa casa de rock.

Quando fiquei jovem mais um pouco de tempo, comecei a andar de moto e ganhei mais chão e mais experiência e fui deixando inseguranças para trás. A moto foi uma incrível construção de autoconfiança em todos os sentidos da minha vida. Ainda assim, foi a escolha de algo que no imaginário das pessoas ainda "pertence ao universo masculino", o que ainda de certa forma limitava um pouco as amizades femininas. Em geral casais, onde as mulheres são garupas, e apesar de um vínculo muito forte de convivência e de amizade que começou a surgir, ainda faltava aquela coisa de trocar experiências com aquilo que eu amo e que me identifica.

Há um bom tempo atrás, tinha lido algo sobre as Litas em alguma rede social. A ideia era recente e não havia chegado no Brasil, e pensei: nossa, que interessante! Desligado o computador, foi-se também a ideia, até que comecei a ver algumas meninas se identificando como Litas aqui mais pertinho. Fui adicionando essas garotas à minha rede e fui me informando sobre a ideia até que me apaixonei totalmente porque é um coletivo que reúne uma diversidade que brincou de carrinho, brincou de boneca, tem filho, não tem filho, tem marido, tem namorada, não tem mas tá de boa, gosta de gato, tem crise de ansiedade, ri sem motivo, bebe, chora, é motivo pra nos encher de orgulho porque faz algo para mudar nossa sociedade, dança muito, escreve muito e todas, TODAS rodam de moto independente de cilindrada e tem em comum essa mesma paixão. Um legítimo coletivo onde "ninguém solta a mão de ninguém" e estamos juntas para mostrarmos umas às outras o quanto somos maravilhosas e que nosso universo é muito maior que aquele onde tentaram até hoje nos espremer. Que continue sempre assim! Amu tudo ocês, viu?