quinta-feira, 12 de setembro de 2019

AS SUTIS LIÇÕES QUE A VIDA NOS TRAZ


(Atenção: esse texto contém "auto-ajuda", porque às vezes eu também preciso me lembrar das coisas sobre as quais escrevo...)

Antes de adentrar o assunto, vou contar o causo que me trouxe a essa reflexão: quando eu era estudante de geografia, nossa turma fez uma saída de campo para Caxias do Sul e Bento Gonçalves/RS. Ficamos hospedados no “campus de concentração” de uma conceituada universidade onde não podíamos jogar bola, nem rir, nem falar alto que já vinha um guarda chamar a atenção e que também não tinha refeitório. É óbvio que não demos a menor importância à essas regras.

No dia seguinte subimos mortos de fome no ônibus em busca de lugar para comer. Alguma alma iluminada sugeriu que para adiantarmos o trecho, parássemos em algum local de beira de estrada e foi o que fizemos, e a fome só aumentava.

Em algum lugar entre Caxias e Bento, paramos num barzinho bem simples, o lanche era servido no pão de milho, café coado na hora, casinha de madeira. Quando a dona do estabelecimento viu aquelas quarenta e poucas cabeças mortas de fome descendo do ônibus, já fez uma cara de desespero. A professora que nos orientava dirigiu-se educadamente ao balcão e perguntou à mulher, que a essa altura do campeonato já estava com as duas mão na cabeça: como vocês servem aqui? – ao que a mulher olhou ao redor respondeu aos berros: “UM DE CADA VEZ!!!”

Pois bem, agora de manhã, estava navegando pelos portais de “notícias”, onde uma "famosa" se vangloriava em um vídeo onde dirigia, comia e trocava de roupa de ser uma pessoa multitarefas (isso talvez explique tanta coisa absurda que vemos no trânsito e não entendemos como o motorista foi capaz de tal façanha). Lembrei na hora da senhorinha do Rio Grande. E de uma palestra que ouvi há algum tempo sobre ócio criativo.

É possível fazer várias coisas ao mesmo tempo, eu às vezes faço, porém ou nenhuma sai bem feita, ou se todas passarem no padrão de qualidade, uma hora a saúde mental vai embora.
Dizem que as mulheres tem uma maior capacidade que os homens, tem até estudos sobre o assunto, de fazer várias coisas ao mesmo tempo, por outro lado, estudos também apontam que são mais estressadas que eles.  Por que será? Talvez até seja uma capacidade que temos mas será que somos obrigadas a usá-la o tempo todo? Tem hora que agiliza, mas estar sempre atendendo a tudo e a todos e principalmente à própria auto-exigência é estafante.
Sempre que eu contava esse causo eu achava graça até que um dia descobri que é possível fazer uma coisa de cada vez. Alguém vai ficar esperando, alguma coisa vai ficar faltando, alguma talvez nem vá ser feita, mas a coisa é feita com paz de espírito.

Li um livro chamado “aprendendo a lidar com a raiva”, do monge Thich Nhat Hanh, onde em um trecho ele fala sobre fazer as coisas com consciência. Comer com consciência, andar com consciência, estar presente naquilo que está fazendo. Só é possível estar presente naquilo que se faz, fazendo uma coisa de cada vez.
Hoje percebo que a grande piada da saída de campo, foi uma grande lição para a vida. Cada vez que me sinto pressionada, em qualquer situação a fazer várias coisas de uma só vez eu olho bem sério para a pessoa e digo, eu farei o que você pediu depois que terminar o que estou fazendo, porque atendo UM DE CADA VEZ...

terça-feira, 30 de julho de 2019

The Litas

Quando criança, nunca tive muitas amigas. Para acompanhar nas brincadeiras, menos ainda. Nunca consegui enxergar nada de interessante em panelinhas, vassourinhas cor de rosa, bonecas que tomavam mamadeira ou faziam xixi nas fraldas. Pra ajudar, sempre me disseram que não podia confiar em outras mulheres, pois amizade entre mulheres não existe. E assim cresci jogando bola na rua com os meninos, caindo na porrada com eles e me esquivando da amizade das meninas.

Já mais jovem, a situação pouco mudou. Ainda não conseguia me encaixar naquilo que as pessoas viviam insistindo em dizer que DEVERIA ser o meu universo. As garotas da mesma idade casando, tendo filhinhos, falando de fralda, de cocô duro, de cocô mole, do marido que chegava em casa bebado e pouco contribuía, do cansaço pelo excesso de atividades domésticas e eu começando e largando uma faculdade atrás da outra, também com problemas domésticos, mas que também foi necessário correr atrás de resolvê-los. Nesse período, nunca tive amigas para sair e beber, mas sempre uma ou outra especial que eu podia contar para confidências e que isso era recíproco. Às vezes, inclusive, à distância. Nessa fase inclusive eu já era tão escolada que chegava nos botecos, sentava sozinha numa mesa, pedia uma dose de whisky e ficava viajando no som da banda numa casa de rock.

Quando fiquei jovem mais um pouco de tempo, comecei a andar de moto e ganhei mais chão e mais experiência e fui deixando inseguranças para trás. A moto foi uma incrível construção de autoconfiança em todos os sentidos da minha vida. Ainda assim, foi a escolha de algo que no imaginário das pessoas ainda "pertence ao universo masculino", o que ainda de certa forma limitava um pouco as amizades femininas. Em geral casais, onde as mulheres são garupas, e apesar de um vínculo muito forte de convivência e de amizade que começou a surgir, ainda faltava aquela coisa de trocar experiências com aquilo que eu amo e que me identifica.

Há um bom tempo atrás, tinha lido algo sobre as Litas em alguma rede social. A ideia era recente e não havia chegado no Brasil, e pensei: nossa, que interessante! Desligado o computador, foi-se também a ideia, até que comecei a ver algumas meninas se identificando como Litas aqui mais pertinho. Fui adicionando essas garotas à minha rede e fui me informando sobre a ideia até que me apaixonei totalmente porque é um coletivo que reúne uma diversidade que brincou de carrinho, brincou de boneca, tem filho, não tem filho, tem marido, tem namorada, não tem mas tá de boa, gosta de gato, tem crise de ansiedade, ri sem motivo, bebe, chora, é motivo pra nos encher de orgulho porque faz algo para mudar nossa sociedade, dança muito, escreve muito e todas, TODAS rodam de moto independente de cilindrada e tem em comum essa mesma paixão. Um legítimo coletivo onde "ninguém solta a mão de ninguém" e estamos juntas para mostrarmos umas às outras o quanto somos maravilhosas e que nosso universo é muito maior que aquele onde tentaram até hoje nos espremer. Que continue sempre assim! Amu tudo ocês, viu?