Como mencionei no texto anterior, nesta segunda parte pretendo trabalhar as origens do pânico, especialmente o de andar de moto.
Qualquer pessoa que me lê pode dizer que está mais do que óbvio que andar de moto é perigoso e que não foi à toa que esse pânico surgiu, oras: é puro medo de morrer, que outro motivo teria?
Mas regressando um pouco às aulas na auto escola, ou até antes, quando comprei a moto antes de ter a carteira, o fato é que com toda a empolgação que eu tinha, andava tranquilamente de moto em locais mais afastados antes da carteira e não sentia medo.
As aulas práticas na auto escola foram feitas da forma mais tranqüila o possível, até que chegou a hora da prova.
Na primeira que fiz para carro, reprovei e não me deixaram fazer a prova de moto. Na segunda vez um mês depois, também reprovei mas me deixaram fazer a prova de moto, e nessa passei com louvor. Diante daquela pressão de ter que passar na prova de carro para poder tirar a carteira de moto e o estado lastimável que eu saía de cada prova (auto-estima totalmente destruída), decidi pegar somente a habilitação A e mandar a B para os ares, decisão esta que aliás me fez muito bem.
Depois do período de ansiedade até ter a habilitação na mão, e dando as minhas voltinhas por aí, quando chegou o dia tão esperado, de encarar o trânsito, as avenidas, as sinaleiras, os ônibus e os caminhões, travei!
Suor frio, taquicardia, pernas moles, enjôos, os sintomas bem conhecidos de quem passa ou passou por isso, juntando às trapalhadas de iniciante, me fizeram algumas vezes chegar em casa dizendo que eu não tinha o menor talento para aquele negócio e que ia desistir da moto.
Meu marido sempre dizia que isso era uma grande bobagem, insegurança pura e que eu não devia desistir, apenas ir fazendo as coisas dentro dos meus limites.
Nessa mesma época estava fazendo análise uma vez por semana. Muitas pessoas por puro preconceito e me incluo na lista dos preconceituosos que protelou a análise por muitos anos por achar uma grande frescura, não acreditam nas mudanças que esse tipo de terapia pode provocar nas suas vidas.
Aos poucos comecei a ir matando a charada e descobrindo que a coisa que menos me assustava era o medo de morrer. Claro que esse é o medo que nos preserva a vida, mas não era o maior deles.
Tentando resumir ao máximo os dois anos que levei para fazer pequenas descobertas que foram essenciais para grandes mudanças, o que me paralisava basicamente era o maldito perfeccionismo.
Fui criada em um meio machista, onde por incrível que pareça quem sempre primou mais pela igualdade foi meu pai. Mas sempre cresci ouvindo o que homem pode e o que mulher não pode, e o que homem tem competência para fazer e mulher não tem.
Não sei como, nem porquê, nem por influência de quê ou de quem, desde criança eu teimava em fazer as coisas que os meninos faziam, só pelo gosto de provar que eu tinha a mesma competência de fazer. E tirava as melhores notas, e no que me metia a fazer era craque. Claro que na infância não é difícil ser craque de bola, ser uma das melhores da turma, fazer piruetas de bike, de skate, praticar esportes, e isso faz com que apareçam as pessoas que enchem a bola. E você se acostuma a andar com a bola cheia. Um belo dia porém você acorda e se vê num mundo de pessoas muito melhor preparadas do que você para tudo. E só ouve críticas, e haja estrutura para isso.
Viver vira uma grande competição, tudo o que se faz tem que ser impecável, perfeito, sem erros, pois essa é a única forma de você continuar “sendo aceito” e de ganhar “as estrelinhas”, tais quais aquelas que as professoras davam aos “superdotados”.
Chega a hora de ir para o trânsito, e é necessário ir para a auto-escola. Não sei se todas as auto escolas são assim mas me assustei com o que vi na que escolhi.
O instrutor das aulas teóricas sem a menor cerimônia utilizava como exemplos “didáticos” exemplos de mulheres que não sabiam dirigir, reforçava o tempo todo que mulher não sabe dirigir, não sabe pilotar, nas aulas sobre mecânica básica dizia que mulher não precisa aprender a trocar pneu nem a entender de mecânica, que bastava apenas andar de minissaia e por aí ia o negócio... Triste mesmo é que a maioria das mulheres ria isso quando não concordava.
Na época da auto escola conversei com uma amiga que me disse que além de ter se criado num ambiente machista, ainda tinha um marido que ria dela cada vez que ela reprovava no teste do detran e ainda o fato era motivo de piada para ele contar para os amigos. Aí imagina uma pessoa assim ainda cair nas garras de um instrutor idiota como o que eu tive.
Quando precisei encarar o trânsito eu não estava sozinha, tive que levar na garupa toda essa bagagem histórica, e junto com ela uma paranóia de que eu provaria para todos que mulher pode pilotar tão bem ou melhor que os homens.
Precisa de mais alguém para deixar a gente histérica do que a gente mesma???
Bingo! Descobri que o grande pavor de pegar a estrada não era nem de perto o de morrer, e sim o de errar. Se eu errasse, seria como todas as mulheres “que não sabem pilotar”, “que deveriam ficar em casa ao invés de atrapalhar o trânsito” e isso gerava uma grande ansiedade, capaz de se transformar em um transtorno comportamental.
Identificado o problema, ele está curado? Não!
É um trabalho difícil de “reprogramação”. Ainda hoje quando escuto qualquer buzinada no trânsito, sejam motoristas se cumprimentando ou xingando outra pessoa por algum motivo, sempre acho que é comigo, que cometi algum erro.
Um exemplo clássico é o de uma vez que eu estava circulando numa avenida, na pista mais à direita, mas em baixíssima velocidade, pois estava procurando um prédio em endereço desconhecido e de repente ouvi um buzinaço. Já fiquei nervosa, achando que era alguém me xingando pela baixa velocidade, quando o carro que vinha atrás me ultrapassa, cheio de mulheres, fazendo sinal de positivo para mim, por estar pilotando sozinha uma moto grande...
Quando cometo algum erro por distração ou por simplesmente ser um ser humano passível de erros, ainda não me perdôo. Como é que pode? Na auto escola decorei o código de trânsito, estudei todas as regras, as sinalizações, como fui cometer o erro indesculpável de entrar numa contramão? Como esqueci a seta para trocar de pista? E por aí vai...
Qual a vantagem então de ter feito a análise? Justamente a de identificar e de esquecer isso rápido e não ficar me punindo para o resto da vida. A de ter descoberto que não só eu erro, mas os homens erram e outras mulheres erram, e se só os erros das mulheres são reforçados é por uma questão cultural que não sou eu sozinha que vou mudar.
Depois dessas constatações, minha vida não mudou, mas ficou enormemente facilitada.
Para aqueles que vêem as minhas fotos numa 250, de jaqueta, alforjes cheios de bagagem, viajando sozinha e pensa, pow, essa mulher é muito foda! Saibam que se trata de uma pessoa insegura, que ainda erra o tempo das marchas, que esquece de dar a seta, que apesar de ter uma postura defensiva, ler, estudar e tentar pilotar da melhor forma possível, comete erros primários mas se permite o prazer de pilotar, que se conhece um mínimo possível para saber quando a cabeça está legal para sair ou quando está confusa o suficiente para optar por ônibus ou táxi e dizer, olha eu vou, mas não de moto e que tira de letra o sarcasmo alheio quando pergunta: tem moto pra que?
Respondo agora: para andar quando quiser, quando estiver bem e quando isso for me deixar feliz. Não é obrigação. É prazer!