sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O "voo duplo": o maior de todos os testes



Férias de janeiro de 2013. Planos? Romper a barreira do Estado, de moto. Testar até onde o físico já um tanto prejudicado agüenta e até onde a ansiedade é capaz de resistir.

Vários planos alguns meses antes, conhecer Ouro Preto, em Minas, ou a região das Missões no RS, mas em cima da hora, dado o pouco tempo que eu teria de férias e alguns outros fatores “pesados e medidos”, resolvemos ir até o litoral paulista visitar a mãe do meu namorado.
Plataforma de Pesca de Mongaguá - SP
 Ia me preparando para sair numa segunda-feira, quando numa sexta feira anterior, Marcelo disse: vamos amanhã? Pedi um dia para ajeitar as coisas e para dar uma complicada na situação minha cachorrinha idosa precisou ser levada ao veterinário no sábado de manhã. Precisava ser medicada e se eu não tivesse quem tratasse dela não poderia viajar. Só no fim da tarde de sábado é que conseguimos encontrar minha vizinha que se prontificou gentilmente a cuidar da minha velhinha. Seguimos então para Navegantes, adiantando 100 Km da viagem, para no dia seguinte, domingo, dia 6 de janeiro, sairmos as 6 da manhã.

Faz algum tempo que não sei o que é uma manifestação forte de ansiedade ou síndrome do pânico, para ser sincera, perdi as contas do tempo que faz, sendo que em alguns períodos do ano passado em algumas situações passei por alguns episódios de ansiedade, controlados com acupuntura ou simplesmente força de vontade.

No dia da saída, ainda escuro, chovia muito e fazia um tempo esquisito, meio abafado. Ao chegar no posto Sinuelo onde paramos para um café, não sei se tive uma queda de pressão, que aliada à extrema ansiedade que estava sentindo porque a viagem seria longa e a chuva não era pouca, os primeiros sintomas se manifestaram: tremedeira, enjôo forte, os lábios e extremidades dormentes, o coração querendo sair pela boca, dor de barriga e as pernas não seguravam o peso do corpo. Assim foi por quase uma hora, quando me dei conta que não seria possível seguir dali em diante. Frustrada e chorando muito, pedi para voltar para casa. Voltei a pegar a moto somente quando senti que tinha voltado ao meu normal e que teria coragem de voltar um pequeno trecho até Navegantes.

Não sei porém o que é ou como isso acontece, mas o fato foi que no posto havia tirado os forros  das roupas e começou a entrar um vento frio que me manteve em estado de equilíbrio físico, ou seja, creio realmente ter tido uma queda de pressão, mas a mesma em seguida deve ter me deixado apavorada. Como voltei a me sentir bem, passada a sensação de abafamento, combinei de rodar mais um pequeno trecho adiante, caso sentisse alguma coisa, encostaria e voltaríamos.

Deixo claro que, sabendo que para quem lê esse trecho, pode parecer que cometi uma enorme irresponsabilidade, só propus ir adiante pelo fato de conhecer profundamente as minhas reações e saber realmente quando dá ou não dá para prosseguir. Não foi um ato irresponsável de desafiar o perigo, mas um ato embasado no autoconhecimento, sabendo que não tenho vertigens repentinas e sim, em geral que, quando vou passar mal, meu organismo começa a emitir sinais bem antes, e à menor manifestação deles, não costumo prosseguir até sentir que tudo está em segurança.

Passado esse primeiro episódio, tudo correu às mil maravilhas, apesar do trânsito pesado e parado, obrigando-nos a percorrer grandes distâncias pelo corredor, até que começamos a subir a serra de Curitiba. Lá nos demos conta que a gasolina que colocamos no posto da Penha era podre. As duas motos apresentaram o mesmo problema, falhavam, deixando os nervos à flor da pele na hora de circular naquele trânsito pesado e cheio de caminhões, carretas, cegonhas e tantos outros gigantes assustadores. Confesso que senti uma enorme vontade de parar a moto, sentar na beira da estrada e chorar, mas ali não tinha tempo e nem espaço para isso, afinal, não tinha acostamento: ou aprende na marra ou a carreta te pega. Fiquei surpresa ao constatar que meu sistema nervoso passou por esse teste, pois saí dali com a sensação de ter sangue de barata.

Mais adiante uma Regis Bittencourt com pouco movimento até chegar a maldita Serra do Azeite, ô meu pai, de onde brota tanta carreta? Eles usam  todas as pistas, e – praxe – embalam morro a cima e se largam morro abaixo. Para quem não conhece o trajeto, não sabe se a próxima curva é aberta ou fechada e – oh, delícia! -  está com a moto falhando, é o teste-mor de resistência do sistema, a essa altura não mais nervoso e já neurótico! E mais uma vez, nada de acostamento para chorar não.

Rodar, parar para almoço, rodar. Aquelas coisas aconteceram e parecia não ter sido comigo. Próximo a Registro – SP, armou um temporal daqueles, o céu escuro começou a ser cortado por raios. Paramos para colocar as capas e decidimos ficar em Cajati. Lá chegando, o tempo deu sinais de melhora. Não caiu a tal chuva anunciada e resolvemos tocar até o destino final, Mongaguá.

Claro que resolvemos tocar porque o Marcelo falou que já estávamos chegando. Não me dei conta que para quem já havia rodado quase 500 km, “quase chegando” são mais duzentos, assim sendo, concordei. Dali em diante a viagem foi realmente tranqüila, mas aí já foi o corpo que começou a dar sinais de cansaço. Em Peruíbe o corpo já disse “chega!”, mas poxa, estávamos ali, na cara do gol, não fazia sentido parar. O fato é que quanto mais próximo o destino estava, mais parecia que 30 Km  viravam 300, que 10 Km viravam mil e a coisa já não rendia mais. Para piorar a situação anoiteceu em um lugar por onde eu jamais havia passado, não sabia como o trânsito se comportava e na falta de luz não passo de uma toupeira cegueta, apesar de enxergar muito bem de dia.

Senti que o pulso nem sequer virava mais para acelerar a moto e as pernas não mexiam nem para dar aquela ajeitadinha. Como entraram muitos carros entre minha moto e do Marcelo, ele parou no acostamento para ver o que estava ocorrendo e ao parar, mais uma vez desabei, mas desta vez por ter atingido o limite físico – já  fazia 15 horas que estávamos pilotando, sob condições tensas e com pausas curtas.

Sentei com as pernas esticadas em um ponto de ônibus e senti que do quadril para baixo não controlava mais o movimento das pernas. Quando tentei levantá-las e elas não responderam, senti pavor. Depois de um tempo consegui sentar novamente na moto e prosseguir, sendo que aí já faltavam menos de 10 km para chegar ao destino. Ao chegar, tomei um banho quente e dormi feito uma rocha. No primeiro dia, só em pensar em fazer tudo aquilo de volta dava um pavor enorme, nos primeiros dias não queria nem chegar perto da moto. 
Foto em Mongaguá com o Amarelão

Nas poucas voltas que fiz pela rodovia Pe. Manuel da Nóbrega ou mesmo pela avenida que margeava a praia também senti que o povo ali nunca relaxa e o tempo todo quer passar por cima de você, ou seja, também não era prazeroso andar de moto ali, ao contrário,  muito estressante. Fomos também a um aniversário de moto clube em Itanhaém (Moto Clube Espírito Livre, a quem agradecemos a acolhida), onde realmente descobri na volta que não sirvo para pilotar de noite por ter a visão extremamente distorcida, além de ter sido agraciada com a companhia de um imbecil que colou na minha moto e veio dando luz alta por quase todo o trecho, sendo que não lhe fiz nada para merecer tal “honraria”.

De pouco em pouco senti que minha ansiedade começava a  fugir do estado de equilíbrio que se encontrava há muito tempo. A partir dali, tive que tirar do piloto automático e começar a mantê-lo através de controle e disciplina.

Por mais que se saiba que ansiedade, não a normal  que todos sentem, mas essa que pode atingir níveis patológicos é algo que vai dispender controle e disciplina pelo resto da vida, dá uma frustração enorme sentir que todo um trabalho começa a desmoronar e pode voltar à estaca zero. Cheguei a pensar em deixar a moto e voltar de ônibus, mas resolvi encarar de moto mesmo.

Saímos não tão cedo desta vez, depois de uma semanada de chuvas intensas. Tinha um pouco de sol até Miracatu, onde já tivemos que encostar para colocar as capas. Chuva, chuva e mais chuva. Pelo menos foi uma coisa de cada vez: nas serras malditas pelo menos não chovia, o que também não fez do trecho menos enervante. Saímos numa quarta-feira e a impressão que tive é que cada carreteiro pelo qual passamos na ida, agora estava voltando acompanhado de um colega. Um verdadeiro inferno na terra.

Quando passamos por São José dos Pinhais, no PR, sim-ples-men-te-não-deu!!! O stress de ser engolida por carretas virou num desespero por passar por todo o trânsito urbano da região querendo tirar o pai da forca, a mãe da cadeira elétrica, onde presenciei coisas jamais imaginadas, tipo um imbecil entre a minha moto e a do Marcelo forçando o carro contra a traseira da moto dele para ultrapassar, sendo que estávamos a boa velocidade e PELA FAIXA DA DIREITA!

Pedi pra encostar num posto onde tive algo parecido com o que me deu no posto Sinuelo, só que pior. Não conseguia parar em pé mais uma vez pois as pernas não firmavam. Fosse preciso dormiria ali mesmo na loja de conveniência mas não seguia por aquela 101 nem por decreto. Pedimos informação de hotel pelas imediações, afinal já era fim de tarde mesmo apesar de pelo horário de verão ainda faltar um tanto para escurecer.

Recomposta, já com a cabeça fria mas o corpo em frangalhos, rodamos até a entrada de Tijucas do Sul, onde rodamos 14 Km até o centro da cidade e pegamos uma pousada. No dia seguinte, ao invés de pegarmos a 101, de Tijucas do Sul rodamos até Agudos do Sul e de lá pegamos um caminho para São Bento do Sul, Corupá, Jaraguá do Sul, até sairmos em Barra Velha.

Aí sim, me senti verdadeiramente num passeio de moto: estrada praticamente livre (não de imbecis, mas esses parecem brotar dos acostamentos), paisagens lindas, paramos direto para olhar tudo o que achávamos bonito, tirar fotos, almoçar, enfim. Nessa de anda-e-para para conhecer tudo, rodamos novamente o dia todo e desta vez não senti uma dor ou cansaço que fosse. Apenas parecia desidratada, pois o sol estava forte. Nunca tomei tanta água na minha vida num dia só.

Divisa dos estados PR e SC
 Em Barra Velha, ligamos para o Flávio e a Liane que nos receberam na pousada. Fizemos uma breve visita, matamos saudade e seguimos adiante. Tivemos que rodar pelo corredor de Barra Velha ao trevo de Navegantes. Como não havia necessidade de passar por mais estresses e certamente essa fila ainda iria longe, paramos em Navegantes para tocar para casa só no dia seguinte. Já era o segundo dia na estrada...

Dia seguinte, sol maravilhoso, apenas 100 km me distanciavam da minha casa e dos meus amados bichinhos que a essa altura já estava morrendo de saudade, agora era só alegria. ERA mesmo...o que poderia acontecer de tão estressante, já às portas de casa? Tudo! kkkkkkkkk

Atrasamos um pouco a saída, em vez de na parte da manhã, saímos de tarde. Um céu pretíssimo anunciava um temporal. Na SC 407 em Navegantes, muitos raios cortavam o céu, e despejou-se um aguaceiro, aliado a um trânsito pesado que obrigava a andar não mais que a 60 / 70 por hora. Justamente na subida do morro do boi, aaaaaaahhhhhhh, a chuva engrossou ao ponto de ficar daquelas onde se enxerga pouco e o capacete embaça e mais uma vez, queridinha, não tinha acostamento, te vira nos 30!

Pra ficar mais emocionante, esfriou de bater os queixos. De Itapema para a frente pelo menos a chuva voltou a ficar “normal” e o trânsito um pouco menos intenso. 
Por um longo trecho, abaixo de chuva forte, tive que rodar por um local onde rasparam o asfalto e ficaram umas pedrinhas soltas com piche que faziam a moto derrapar. Cada vez mais parecia que Floripa estava há mais de mil quilômetros de Navegantes.
De certa forma tivemos sorte, pois ao chegar à grande Florianópolis ficamos sabendo que houve um vendaval por aqui, com granizo e ventos que chegaram a retorcer telhados de galpões, ou seja, vá lá, ainda poderia ter sido pior.

Como balanço geral da viagem, percebi que sim, de certa forma ela afetou um pouco meu “sistema neurótico”. Voltei insegura para pilotar até mesmo no trecho que faço todo santo dia de casa-trabalho, com a sensação permanente de que o coração vai sair pela boca. Só hoje, sexta, me senti um pouco melhor, mas não sei como estarei no fim da tarde, ontem não saí muito bem, de qualquer forma, tenho controlado.

Descobri que fisicamente sou capaz de resistir a uma grande distância, mas devem ser respeitadas algumas pausas. Acredito que tocar 15 horas direto devam ser prejudiciais até mesmo a quem tenha as articulações em dia, quem dirá a quem já não as tem tão conservadas. Já psicologicamente, bem...creio que o fato de ser uma primeira viagem e não ter costume com trânsito pesado tenham colaborado muito para que boa parte da viagem fosse algo muito estressante para não dizer apavorante.

Outra coisa que deve ter influenciado também foi o trecho escolhido, creio que viagens para locais que não tenham essas malditas serras cheias de carreta devam ser mais interessantes, de certa forma é cedo para tirar alguma conclusão final com base em uma única viagem, onde, como o Marcelo disse, “parece que todas as situações adversas se botaram à frente de uma só vez”, para testar a paciência mesmo.

Essa viagem mexeu sim com meu emocional ao ponto de me tirar do equilíbrio que há muito tempo vinha mantendo e se não disser que isso é muito chato, estarei mentindo, mas certamente não é isso que vai me fazer desistir de tentar alçar vôos maiores.

Rodar de noite, nem pensar, pois além de ser algo desesperador (até aí acho que a gente acostuma), descobri que devo ter alguma sensibilidade extrema às luzes, pois faróis de frente me cegam, ou quando não há luz nenhuma não enxergo nadinha de nada, mal as faixas brancas da lateral mas tenho sempre a sensação agoniante de não saber por onde estou indo.

No mais, por todo o relatado, sinto que talvez seja muito difícil algum dia eu conseguir fazer uma grande viagem em comboio. Pela dificuldade de rodar à noite e pelo excesso de paradas que preciso fazer, algumas não tão curtas, fora o detalhezinho que todo mundo que sofre de ansiedade sabe que para parar para “nº1 e nº2” não se paga imposto quando o bicho pega, ou seja, haja paradas, o que acaba por prejudicar todo um grupo, principalmente se o tempo for apertado.

Por tudo isso que quero agradecer imensamente pelo amor e paciência do Marcelo para agüentar tudo isso sem se estressar comigo e ainda dando força para cada vez prosseguir mais adiante. É um parceiro muito especial, amigo e companheiro que me abraça quando estou fragilizada e depois ri dos meus chiliques. Amo você, meu querido, muito mesmo!


PS: Após esta postagem, alguns amigos entraram em contato pelo face, preocupados se estava tudo ok (olha como são uns queridos!). Ressalto que o relato acima diz respeito tão somente às impressões sentidas no decorrer da viagem. Como somente o relato sob esse ponto de vista se estendeu demais, me limitei a não escrever sobre as férias e passeios propriamente ditos, que foram maravilhosos, ou seja, apesar das manifestações, elas não chegaram a estragar meu maravilhoso passeio de férias. Um grande abraço a todos!