Férias de janeiro de 2013. Planos? Romper a barreira do Estado, de moto.
Testar até onde o físico já um tanto prejudicado agüenta e até onde a ansiedade
é capaz de resistir.
Vários planos alguns meses antes, conhecer Ouro Preto, em Minas, ou a
região das Missões no RS, mas em cima da hora, dado o pouco tempo que eu teria
de férias e alguns outros fatores “pesados e medidos”, resolvemos ir até o
litoral paulista visitar a mãe do meu namorado.
Plataforma de Pesca de Mongaguá - SP |
Ia me preparando para sair numa segunda-feira, quando numa sexta feira
anterior, Marcelo disse: vamos amanhã? Pedi um dia para ajeitar as coisas e
para dar uma complicada na situação minha cachorrinha idosa precisou ser levada
ao veterinário no sábado de manhã. Precisava ser medicada e se eu não tivesse
quem tratasse dela não poderia viajar. Só no fim da tarde de sábado é que
conseguimos encontrar minha vizinha que se prontificou gentilmente a cuidar da
minha velhinha. Seguimos então para Navegantes, adiantando 100 Km da viagem, para no
dia seguinte, domingo, dia 6 de janeiro, sairmos as 6 da manhã.
Faz algum tempo que não sei o que é uma manifestação forte de ansiedade
ou síndrome do pânico, para ser sincera, perdi as contas do tempo que faz,
sendo que em alguns períodos do ano passado em algumas situações passei por
alguns episódios de ansiedade, controlados com acupuntura ou simplesmente força
de vontade.
No dia da saída, ainda escuro, chovia muito e fazia um tempo esquisito,
meio abafado. Ao chegar no posto Sinuelo onde paramos para um café, não sei se
tive uma queda de pressão, que aliada à extrema ansiedade que estava sentindo
porque a viagem seria longa e a chuva não era pouca, os primeiros sintomas se
manifestaram: tremedeira, enjôo forte, os lábios e extremidades dormentes, o
coração querendo sair pela boca, dor de barriga e as pernas não seguravam o
peso do corpo. Assim foi por quase uma hora, quando me dei conta que não seria
possível seguir dali em diante. Frustrada e chorando muito, pedi para voltar
para casa. Voltei a pegar a moto somente quando senti que tinha voltado ao meu
normal e que teria coragem de voltar um pequeno trecho até Navegantes.
Não sei porém o que é ou como isso acontece, mas o fato foi que no posto
havia tirado os forros das roupas e
começou a entrar um vento frio que me manteve em estado de equilíbrio físico,
ou seja, creio realmente ter tido uma queda de pressão, mas a mesma em seguida
deve ter me deixado apavorada. Como voltei a me sentir bem, passada a sensação
de abafamento, combinei de rodar mais um pequeno trecho adiante, caso sentisse
alguma coisa, encostaria e voltaríamos.
Deixo claro que, sabendo que para quem lê esse trecho, pode parecer que
cometi uma enorme irresponsabilidade, só propus ir adiante pelo fato de
conhecer profundamente as minhas reações e saber realmente quando dá ou não dá
para prosseguir. Não foi um ato irresponsável de desafiar o perigo, mas um ato
embasado no autoconhecimento, sabendo que não tenho vertigens repentinas e sim,
em geral que, quando vou passar mal, meu organismo começa a emitir sinais bem
antes, e à menor manifestação deles, não costumo prosseguir até sentir que tudo
está em segurança.
Passado esse primeiro episódio, tudo correu às mil maravilhas, apesar do
trânsito pesado e parado, obrigando-nos a percorrer grandes distâncias pelo
corredor, até que começamos a subir a serra de Curitiba. Lá nos demos conta que
a gasolina que colocamos no posto da Penha era podre. As duas motos
apresentaram o mesmo problema, falhavam, deixando os nervos à flor da pele na
hora de circular naquele trânsito pesado e cheio de caminhões, carretas,
cegonhas e tantos outros gigantes assustadores. Confesso que senti uma enorme
vontade de parar a moto, sentar na beira da estrada e chorar, mas ali não tinha
tempo e nem espaço para isso, afinal, não tinha acostamento: ou aprende na
marra ou a carreta te pega. Fiquei surpresa ao constatar que meu sistema
nervoso passou por esse teste, pois saí dali com a sensação de ter sangue de
barata.
Mais adiante uma Regis Bittencourt com pouco movimento até chegar a
maldita Serra do Azeite, ô meu pai, de onde brota tanta carreta? Eles usam todas as pistas, e – praxe – embalam morro a
cima e se largam morro abaixo. Para quem não conhece o trajeto, não sabe se a
próxima curva é aberta ou fechada e – oh, delícia! - está com a moto falhando, é o teste-mor de
resistência do sistema, a essa altura não mais nervoso e já neurótico! E mais
uma vez, nada de acostamento para chorar não.
Rodar, parar para almoço, rodar. Aquelas coisas aconteceram e parecia não
ter sido comigo. Próximo a Registro – SP, armou um temporal daqueles, o céu
escuro começou a ser cortado por raios. Paramos para colocar as capas e
decidimos ficar em Cajati. Lá chegando, o tempo deu sinais de melhora. Não caiu
a tal chuva anunciada e resolvemos tocar até o destino final, Mongaguá.
Claro que resolvemos tocar porque o Marcelo falou que já estávamos
chegando. Não me dei conta que para quem já havia rodado quase 500 km, “quase chegando” são
mais duzentos, assim sendo, concordei. Dali em diante a viagem foi realmente
tranqüila, mas aí já foi o corpo que começou a dar sinais de cansaço. Em
Peruíbe o corpo já disse “chega!”, mas poxa, estávamos ali, na cara do gol, não
fazia sentido parar. O fato é que quanto mais próximo o destino estava, mais
parecia que 30 Km viravam 300, que 10 Km viravam mil e a coisa
já não rendia mais. Para piorar a situação anoiteceu em um lugar por onde eu
jamais havia passado, não sabia como o trânsito se comportava e na falta de luz
não passo de uma toupeira cegueta, apesar de enxergar muito bem de dia.
Senti que o pulso nem sequer virava mais para acelerar a moto e as pernas
não mexiam nem para dar aquela ajeitadinha. Como entraram muitos carros entre
minha moto e do Marcelo, ele parou no acostamento para ver o que estava ocorrendo
e ao parar, mais uma vez desabei, mas desta vez por ter atingido o limite
físico – já fazia 15 horas que estávamos
pilotando, sob condições tensas e com pausas curtas.
Sentei com as pernas esticadas em um ponto de ônibus e senti que do
quadril para baixo não controlava mais o movimento das pernas. Quando tentei
levantá-las e elas não responderam, senti pavor. Depois de um tempo consegui
sentar novamente na moto e prosseguir, sendo que aí já faltavam menos de 10 km para chegar ao destino.
Ao chegar, tomei um banho quente e dormi feito uma rocha. No primeiro dia, só
em pensar em fazer tudo aquilo de volta dava um pavor enorme, nos primeiros
dias não queria nem chegar perto da moto.
Foto em Mongaguá com o Amarelão |
Nas poucas voltas que fiz pela rodovia Pe. Manuel da Nóbrega ou mesmo pela
avenida que margeava a praia também senti que o povo ali nunca relaxa e o tempo
todo quer passar por cima de você, ou seja, também não era prazeroso andar de
moto ali, ao contrário, muito
estressante. Fomos também a um aniversário de moto clube em Itanhaém (Moto
Clube Espírito Livre, a quem agradecemos a acolhida), onde
realmente descobri na volta que não sirvo para pilotar de noite por ter a visão
extremamente distorcida, além de ter sido agraciada com a companhia de um
imbecil que colou na minha moto e veio dando luz alta por quase todo o trecho,
sendo que não lhe fiz nada para merecer tal “honraria”.
De pouco em pouco senti que minha ansiedade começava a fugir do estado de equilíbrio que se
encontrava há muito tempo. A partir dali, tive que tirar do piloto automático e
começar a mantê-lo através de controle e disciplina.
Por mais que se saiba que ansiedade, não a normal que todos sentem, mas essa que pode atingir
níveis patológicos é algo que vai dispender controle e disciplina pelo resto da
vida, dá uma frustração enorme sentir que todo um trabalho começa a desmoronar
e pode voltar à estaca zero. Cheguei a pensar em deixar a moto e voltar de
ônibus, mas resolvi encarar de moto mesmo.
Saímos não tão cedo desta vez, depois de uma semanada de chuvas intensas.
Tinha um pouco de sol até Miracatu, onde já tivemos que encostar para colocar
as capas. Chuva, chuva e mais chuva. Pelo menos foi uma coisa de cada vez: nas
serras malditas pelo menos não chovia, o que também não fez do trecho menos
enervante. Saímos numa quarta-feira e a impressão que tive é que cada
carreteiro pelo qual passamos na ida, agora estava voltando acompanhado de um
colega. Um verdadeiro inferno na terra.
Quando passamos por São José dos Pinhais, no PR,
sim-ples-men-te-não-deu!!! O stress de ser engolida por carretas virou num
desespero por passar por todo o trânsito urbano da região querendo tirar o pai
da forca, a mãe da cadeira elétrica, onde presenciei coisas jamais imaginadas,
tipo um imbecil entre a minha moto e a do Marcelo forçando o carro contra a
traseira da moto dele para ultrapassar, sendo que estávamos a boa velocidade e
PELA FAIXA DA DIREITA!
Pedi pra encostar num posto onde tive algo parecido com o que me deu no
posto Sinuelo, só que pior. Não conseguia parar em pé mais uma vez pois as
pernas não firmavam. Fosse preciso dormiria ali mesmo na loja de conveniência
mas não seguia por aquela 101 nem por decreto. Pedimos informação de hotel
pelas imediações, afinal já era fim de tarde mesmo apesar de pelo horário de
verão ainda faltar um tanto para escurecer.
Recomposta, já com a cabeça fria mas o corpo em frangalhos, rodamos até a
entrada de Tijucas do Sul, onde rodamos 14 Km até o centro da cidade e pegamos uma
pousada. No dia seguinte, ao invés de pegarmos a 101, de Tijucas do Sul rodamos
até Agudos do Sul e de lá pegamos um caminho para São Bento do Sul, Corupá,
Jaraguá do Sul, até sairmos em Barra Velha.
Aí sim, me senti verdadeiramente num passeio de moto: estrada
praticamente livre (não de imbecis, mas esses parecem brotar dos acostamentos),
paisagens lindas, paramos direto para olhar tudo o que achávamos bonito, tirar
fotos, almoçar, enfim. Nessa de anda-e-para para conhecer tudo, rodamos
novamente o dia todo e desta vez não senti uma dor ou cansaço que fosse. Apenas
parecia desidratada, pois o sol estava forte. Nunca tomei tanta água na minha
vida num dia só.
Divisa dos estados PR e SC |
Em Barra Velha, ligamos para o Flávio e a Liane que nos receberam na
pousada. Fizemos uma breve visita, matamos saudade e seguimos adiante. Tivemos
que rodar pelo corredor de Barra Velha ao trevo de Navegantes. Como não havia
necessidade de passar por mais estresses e certamente essa fila ainda iria
longe, paramos em Navegantes para tocar para casa só no dia seguinte. Já era o
segundo dia na estrada...
Dia seguinte, sol maravilhoso, apenas 100 km me distanciavam da
minha casa e dos meus amados bichinhos que a essa altura já estava morrendo de
saudade, agora era só alegria. ERA mesmo...o que poderia acontecer de tão
estressante, já às portas de casa? Tudo! kkkkkkkkk
Atrasamos um pouco a saída, em vez de na parte da manhã, saímos de tarde.
Um céu pretíssimo anunciava um temporal. Na SC 407 em Navegantes, muitos raios
cortavam o céu, e despejou-se um aguaceiro, aliado a um trânsito pesado que
obrigava a andar não mais que a 60 / 70 por hora. Justamente na subida do morro
do boi, aaaaaaahhhhhhh, a chuva engrossou ao ponto de ficar daquelas onde se
enxerga pouco e o capacete embaça e mais uma vez, queridinha, não tinha
acostamento, te vira nos 30!
Pra ficar mais emocionante, esfriou de bater os queixos. De Itapema para
a frente pelo menos a chuva voltou a ficar “normal” e o trânsito um pouco menos
intenso.
Por
um longo trecho, abaixo de chuva forte, tive que rodar por um local
onde rasparam o asfalto e ficaram umas pedrinhas soltas com piche que
faziam a moto derrapar. Cada vez mais parecia que Floripa estava há mais
de mil quilômetros de Navegantes.
De certa forma tivemos sorte, pois ao chegar à grande Florianópolis
ficamos sabendo que houve um vendaval por aqui, com granizo e ventos que
chegaram a retorcer telhados de galpões, ou seja, vá lá, ainda poderia ter sido
pior.
Como balanço geral da viagem, percebi que sim, de certa forma ela afetou
um pouco meu “sistema neurótico”. Voltei insegura para pilotar até mesmo no trecho
que faço todo santo dia de casa-trabalho, com a sensação permanente de que o
coração vai sair pela boca. Só hoje, sexta, me senti um pouco melhor, mas não
sei como estarei no fim da tarde, ontem não saí muito bem, de qualquer forma,
tenho controlado.
Descobri que fisicamente sou capaz de resistir a uma grande distância,
mas devem ser respeitadas algumas pausas. Acredito que tocar 15 horas direto
devam ser prejudiciais até mesmo a quem tenha as articulações em dia, quem dirá
a quem já não as tem tão conservadas. Já psicologicamente, bem...creio que o
fato de ser uma primeira viagem e não ter costume com trânsito pesado tenham
colaborado muito para que boa parte da viagem fosse algo muito estressante para
não dizer apavorante.
Outra coisa que deve ter influenciado também foi o trecho escolhido,
creio que viagens para locais que não tenham essas malditas serras cheias de
carreta devam ser mais interessantes, de certa forma é cedo para tirar alguma
conclusão final com base em uma única viagem, onde, como o Marcelo disse,
“parece que todas as situações adversas se botaram à frente de uma só vez”,
para testar a paciência mesmo.
Essa viagem mexeu sim com meu emocional ao ponto de me tirar do
equilíbrio que há muito tempo vinha mantendo e se não disser que isso é muito
chato, estarei mentindo, mas certamente não é isso que vai me fazer desistir de
tentar alçar vôos maiores.
Rodar de noite, nem pensar, pois além de ser algo desesperador (até aí
acho que a gente acostuma), descobri que devo ter alguma sensibilidade extrema
às luzes, pois faróis de frente me cegam, ou quando não há luz nenhuma não
enxergo nadinha de nada, mal as faixas brancas da lateral mas tenho sempre a
sensação agoniante de não saber por onde estou indo.
No mais, por todo o relatado, sinto que talvez seja muito difícil algum
dia eu conseguir fazer uma grande viagem em comboio. Pela dificuldade de rodar
à noite e pelo excesso de paradas que preciso fazer, algumas não tão curtas,
fora o detalhezinho que todo mundo que sofre de ansiedade sabe que para parar
para “nº1 e nº2” não se paga imposto quando o bicho pega, ou seja, haja paradas,
o que acaba por prejudicar todo um grupo, principalmente se o tempo for
apertado.
Por tudo isso que quero agradecer imensamente pelo amor e paciência do
Marcelo para agüentar tudo isso sem se estressar comigo e ainda dando força
para cada vez prosseguir mais adiante. É um parceiro muito especial, amigo e
companheiro que me abraça quando estou fragilizada e depois ri dos meus
chiliques. Amo você, meu querido, muito mesmo!
PS: Após esta postagem, alguns amigos entraram em contato pelo face, preocupados se estava tudo ok (olha como são uns queridos!). Ressalto que o relato acima diz respeito tão somente às impressões sentidas no decorrer da viagem. Como somente o relato sob esse ponto de vista se estendeu demais, me limitei a não escrever sobre as férias e passeios propriamente ditos, que foram maravilhosos, ou seja, apesar das manifestações, elas não chegaram a estragar meu maravilhoso passeio de férias. Um grande abraço a todos!