terça-feira, 13 de agosto de 2013

MULHERES E MOTOS: UMA PAIXÃO VERDADEIRA. E POSSÍVEL.



Já havia escrito neste blog sobre a precária formação de condutores/pilotos de motocicletas por parte das auto escolas, relacionando às dificuldades iniciais de lidar com o trânsito por conta da síndrome do pânico. Hoje, por estímulo da página Mulheres & Motos, na pessoa da Andréia Vulcana resolvi escrever sobre o tema relacionado apenas ao medo comum, que qualquer ser humano sente.

Conheço muitas pessoas que estão habilitadas à pilotagem, porém não tem a coragem de se aventurar no trânsito com suas motos, e não lhes tiro a razão, pois as auto escolas nada mais fazem que “apresentar a pessoa à moto e a moto à pessoa”, e não preparam ninguém para encarar um trânsito cada vez mais agressivo.

Não falo com base em nenhum estudo científico, mas pelo exercício da observação, que a mulher tem um agravante nessa história: a insegurança imposta por um condicionamento/preconceito social.

Para quem olha de fora, a moto parece uma condução que requer extrema habilidade e perícia e que não permite que se erre. Bom, em parte é. Moto não é veículo para desastrados. O problema é que a mulher é criada, educada e cresce sendo tratada como um ser desastrado, e com o tempo passa ela também a acreditar piamente nisso.

Em meus primeiros relatos, comentei ter descoberto que meu pânico não vinha do medo de morrer e sim do medo de errar e ser cobrada, e claro, a pior cobrança é a que vem de mim mesma. Esse tema foi desenvolvido mais a fundo na postagem "Morro de medo de andar de moto - Parte II".

Mulheres tendem a ser bem mais distraídas que os homens, por esse motivo conheço mulheres que apesar de habilitadas, não são capazes de confiar no seu taco na hora de dirigir ou pilotar. Se serve de consolo, conheço poucos seres mais viajões e vacilões que eu e, qual não foi minha surpresa ao descobrir que foi na moto que pela primeira vez na vida descobri qual é a sensação de estar concentrada integralmente naquilo que se está fazendo. A idéia de que minha vida e minha integridade dependem dessa minha concentração não me apavoram. Simplesmente fazem com que eu me concentre somente no que estou fazendo, em resumo, terapia!

Piloto há seis anos. Nesse período levei apenas um tombo, preço que paguei pela distração, que me rendeu uma bursite e 20 sessões de fisioterapia. Foi um bom preço pois depois de ter pago mudei minha postura, já pilotava há 3 anos e estava começando a me achar “ninja”. Nesse período também levei uma única multa, que foi convertida em advertência. Atualmente utilizo a moto diariamente, chova ou faça sol, para o translado casa-trabalho, a “ponte motoaérea” para visitar o namorado e viagens.

Apesar de tudo isso, tive e tenho medo desse trânsito maluco, como então é possível? Passarei o relato de minha experiência desde os primeiros passos, para que possa talvez ajudar outras mulheres a adquirir confiança para a pilotagem de motocicletas:

Depois de crescer acreditando que moto era algo muito perigoso e que eu jamais chegaria perto de uma, de ter presenciado dois acidentes horrendos de moto, em 2007 eu cansei. Cansei de depender de ônibus, a grana não dava para um carro e resolvi que teria uma moto “só para ir na casa do meu pai no domingo”, pois até ali não tem muito trânsito. Aproveitei uma promoção da suzuki de fim de ano e peguei uma intruder 125, mas não tinha habilitação.

Pedi que entregassem a moto na casa do meu irmão e nos fins de semana ia para lá, para que ele me ensinasse a pilotar. Íamos a um loteamento praticamente deserto, mas com esquinas, lombadas, terreno asfaltado, de chão batido, com boa condição de treino.

Acho que foi interessante aprender a pilotar antes de fazer auto escola, coisa que me foi enfadonho e deprimente fazer depois. Saber pilotar antes também fez com que eu fizesse a prova do Detran com os pés nas costas, o que não aconteceu por exemplo no caso do carro, não consegui passar, mas também só conhecia o carro da auto escola, sem nenhuma outra experiência anterior. Dessa eu desisti, até hoje aos 40 anos não tenho habilitação para carro, também não faço questão, não tirei porque não tentei mais.

Aos 35 anos me arrisquei pela primeira vez nas ruas como condutora de alguma coisa motorizada. Escolhi um domingo de manhã, deixei a moto cair, me perdi, não achava o caminho para casa, tudo como manda o figurino. No outro fim de semana, falei que ia “passar a ponte”. A sensação foi tão legal que fui parar lá no sul da ilha (em Florianópolis), claro, em outro domingo sem movimento.

As voltas eram em lugares próximos, quando ia à casa do meu pai, voltava antes do anoitecer pois tem um viaduto complicado de acesso à casa dele e à medida em que ia ganhando segurança, ia ganhando bairros, municípios vizinhos, mas enquanto estive com uma moto de 125cc e com pouca perícia nunca me arrisquei em rodovias de grande movimento como a BR 101. Foram dois anos rodando somente em bairros e municípios vizinhos por caminhos interiores.

Nesse período tive fortíssimas crises de síndrome do pânico, já tive que parar moto em acostamento para fazer exercício de respiração, tive sensações horrorosas de olhar em volta e só ver carros ao meu redor no retorno do trabalho, sentir pavor daquilo e ter que me concentrar e voltar a mim por saber que surtar naquela situação seria mil vezes pior que tentar controlar os nervos, já tive que parar em posto para beber água para me acalmar. Para ajudar, sou hipoglicêmica, tenho que ter extrema disciplina com a comida principalmente em trechos mais longos sob pena de sentir tonturas durante a pilotagem. Nesses 6 anos, consegui manter essa disciplina e não passar por nenhum perrengue por esse motivo, às custas de fardos de barrinhas de cereal, pencas de banana nos alforjes ou paradas regradas para comer em viagens longas.

O começo de tudo na "trudinha - 2007"


Somente no terceiro ano e já com a mirage 250 é que me arrisquei em rodovias, no quarto fiz viagens sozinha num raio de 200 km e no quinto ano acompanhando outra moto rompi a barreira dos 500 km indo de Florianópolis ao litoral paulista.

No início, não andava em corredor, em hipótese alguma. Depois, quando via um espaço grande entre carros, comecei a arriscar. Passava um, dois, três carros e voltava à pista, depois cinco, oito, dez carros... hoje faço corredor com a mirage.

Desde o início meu irmão foi o maior tira-dúvidas de tudo, pilotagem, mecânica, não tínhamos outro assunto, ele deve ter até cansado, coitado!

Li os manuais inteiros das duas motos, inclusive as dicas de pilotagem que vem neles, li livros de mecânica de moto, blogs, sites, assisti a vídeos. Pode parecer louco mas assisto vídeos de acidentes de moto (menos aqueles muito violentos), procuro me informar como e onde aconteceram acidentes que fico sabendo, pois eles dão dicas preciosas do que NÃO se deve fazer. Com essas informações por exemplo nos meus trajetos diários, tenho um “arquivo mental” de faixas que devo evitar, esquinas e sinais perigosos, onde tem buraco, onde os motoristas costumam cortar a frente, coisas que os motoristas costumam fazer por hábito em determinados lugares ou situações e por aí vai.

Participar de fóruns na internet de pessoas que tem o mesmo tipo de moto que eu serve também como um grande aprendizado e uma troca de experiências enriquecedora.

Fiz um curso de pilotagem defensiva à distância e dois presenciais. Adoro moto, vivo moto, respiro moto. Eu e meu namorado costumamos rir de situações como por exemplo: moramos longe, morremos de saudade um do outro e nos falamos todos os dias por telefone, mas vira e mexe estamos discutindo mecânica de moto, coisas que dá pra fazer na moto, peças que tem que trocar, potência desse ou daquele outro modelo e por aí vai.

Esse avanço gradual possibilita a aquisição de segurança na pilotagem e a torna algo prazeroso de se fazer, sem cobrança. Engraçado que há os dois casos: os que o marido/pai/mãe/namorado/filhos tem pavor que a mulher tire carteira ou, depois de tirada, cobram: “tirou a carteira e não vai andar”?

Num dos cursos de pilotagem que fiz tinha uma moça que passava mal quando subia na moto, e já estava habilitada, dava dó, e ela se achava obrigada, afinal, tinha tirado a carteira. Tinha também muita vontade mas o medo era paralisante por não ter aprendido nada na auto escola.  Pilotar não é algo como respirar, que vc tem que fazer toda hora, todos os dias. Tem dias que a gente sente que não está para a coisa, e para isso existe carona, carro, ônibus, bicicleta. Não pode ser obrigação, pois aí apavora mesmo. Tem que ser prazeroso. Pilotar só quando está a fim, ajuda a ir tomando mais gosto pela coisa.

Algo que vejo que geralmente não faz parte das grandes preocupações da mulherada é a manutenção da moto. Canso de chamar a atenção de colegas (homens também, ai, ai ai...) para pneus murchos, carecas, correntes frouxas, sem lubrificação e por aí vai. São coisas bem simples de identificar, não precisa saber fazer, que em geral esses cursos de pilotagem ensinam. Identificou? Leva no mecânico, pede pro carinha do posto, mas não deixa assim. Fico pensando em quantos acidentes não ocorrem por aí por falta de manutenção na moto, que poderiam ser evitados se as pessoas fossem mais cuidadosas para com seus veículos.

É preciso conhecer a moto, senti-la, saber como ela funciona, saber que “aquele barulhinho” não é dela, que “aquela frenagem” não é típica, que “aqueles soquinhos” não são normais.

Outra coisa, às vezes passo por “ryca” mas não costumo economizar em itens de segurança. Eu me f... para pagar mesmo. Hoje tenho equipamentos que considero medianos, mas ainda tenho vontade de investir em equipamentos melhores, então o que fiz foi ir adquirindo aos poucos uma boa jaqueta, uma boa calça, um bom capacete, depois de tudo completo, ir trocando por algo mais “top” à medida em que vai se desgastando. Já observei disparates de pessoas com motos caréeeeesimas com o capacete mais baratinho do mercado. O mínimo que se pode ter é um capacete decente.

Não sirvo para santa nem exemplo, piloto sim no verão de regatinha, faço minhas bobagens, mas via de regra, passeios maiores faço com o equipamento completo. E nunca, nunca, nunca, nem para ir à padaria da esquina ando com os pés desprotegidos. No dito tombo que levei, o que salvou meu pé do “lixamento” foi uma chuteirinha de futsal (o pé prendeu e arrastou debaixo da moto, mas nem arranhou).

Depois de seis anos, sem acidentes, sem multas, com alguma bagagem de experiência adquirida, hoje me considero no estágio “aprendiz de motociclista”. Não me considero excelente piloto. O que me faz sobreviver nessa selva é o cuidado que tenho comigo, com os outros e com a minha moto. Talvez daqui há dez, quinze anos eu talvez tenha algo a ensinar a alguém. Hoje só tenho a dividir. Não posso dizer “olhe, faça assim”. Posso dizer “olhe, fiz assim e deu certo”.

Não é preciso ser um “ser fodástico” para pilotar uma moto. Desses aí o céu está cheio. É preciso vontade, paixão, disciplina e humildade. Se não tiver uma destas qualidades, você pode aprender. Aprendi a ter disciplina pilotando, e humildade, caindo.

Bora, mulherada, estão esperando o que para abandonar essas garupas e se tornarem protagonistas das suas próprias histórias de paixão e liberdade?

A mirage 250 em passeio recente



INDICAÇÕES IMPORTANTES  
Blogs que me ajudaram/ajudam muito e cursos realizados:




Blog do Youssef:


Blog do Amaral Instrutor (Também ministra cursos)


A CET - Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, oferece cursos on-line de pilotagem segura, com certificado inclusive, que sempre trazem boas dicas de segurança na pilotagem e podem ser feitos por qualquer interessado em todo o Brasil:


Em Florianópolis há cursos presenciais e gratuitos de pilotagem segura, através do SEST/SENAT. As inscrições podem ser feitas no endereço abaixo. O curso é voltado para o público motociclista, profissional ou não e as aulas são feitas com motos fornecidas pela honda:








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