Já havia
escrito neste blog sobre a precária formação de condutores/pilotos de
motocicletas por parte das auto escolas, relacionando às dificuldades iniciais
de lidar com o trânsito por conta da síndrome do pânico. Hoje, por estímulo da
página Mulheres & Motos, na pessoa da Andréia Vulcana resolvi escrever
sobre o tema relacionado apenas ao medo comum, que qualquer ser humano sente.
Conheço
muitas pessoas que estão habilitadas à pilotagem, porém não tem a coragem de se
aventurar no trânsito com suas motos, e não lhes tiro a razão, pois as auto
escolas nada mais fazem que “apresentar a pessoa à moto e a moto à pessoa”, e
não preparam ninguém para encarar um trânsito cada vez mais agressivo.
Não falo com
base em nenhum estudo científico, mas pelo exercício da observação, que a
mulher tem um agravante nessa história: a insegurança imposta por um
condicionamento/preconceito social.
Para quem
olha de fora, a moto parece uma condução que requer extrema habilidade e
perícia e que não permite que se erre. Bom, em parte é. Moto não é veículo para
desastrados. O problema é que a mulher é criada, educada e cresce sendo tratada
como um ser desastrado, e com o tempo passa ela também a acreditar piamente
nisso.
Em meus
primeiros relatos, comentei ter descoberto que meu pânico não vinha do medo de
morrer e sim do medo de errar e ser cobrada, e claro, a pior cobrança é a que
vem de mim mesma. Esse tema foi desenvolvido mais a fundo na postagem "Morro de medo de andar de moto - Parte II".
Mulheres
tendem a ser bem mais distraídas que os homens, por esse motivo conheço
mulheres que apesar de habilitadas, não são capazes de confiar no seu taco na
hora de dirigir ou pilotar. Se serve de consolo, conheço poucos seres mais
viajões e vacilões que eu e, qual não foi minha surpresa ao descobrir que foi
na moto que pela primeira vez na vida descobri qual é a sensação de estar concentrada
integralmente naquilo que se está fazendo. A idéia de que minha vida e minha
integridade dependem dessa minha concentração não me apavoram. Simplesmente
fazem com que eu me concentre somente no que estou fazendo, em resumo, terapia!
Piloto há
seis anos. Nesse período levei apenas um tombo, preço que paguei pela
distração, que me rendeu uma bursite e 20 sessões de fisioterapia. Foi um bom
preço pois depois de ter pago mudei minha postura, já pilotava há 3 anos e
estava começando a me achar “ninja”. Nesse período também levei uma única
multa, que foi convertida em advertência. Atualmente utilizo a moto
diariamente, chova ou faça sol, para o translado casa-trabalho, a “ponte
motoaérea” para visitar o namorado e viagens.
Apesar de
tudo isso, tive e tenho medo desse trânsito maluco, como então é possível?
Passarei o relato de minha experiência desde os primeiros passos, para que
possa talvez ajudar outras mulheres a adquirir confiança para a pilotagem de
motocicletas:
Depois de
crescer acreditando que moto era algo muito perigoso e que eu jamais chegaria
perto de uma, de ter presenciado dois acidentes horrendos de moto, em 2007 eu
cansei. Cansei de depender de ônibus, a grana não dava para um carro e resolvi
que teria uma moto “só para ir na casa do meu pai no domingo”, pois até ali não
tem muito trânsito. Aproveitei uma promoção da suzuki de fim de ano e peguei
uma intruder 125, mas não tinha habilitação.
Pedi que
entregassem a moto na casa do meu irmão e nos fins de semana ia para lá, para
que ele me ensinasse a pilotar. Íamos a um loteamento praticamente deserto, mas
com esquinas, lombadas, terreno asfaltado, de chão batido, com boa condição de
treino.
Acho que foi
interessante aprender a pilotar antes de fazer auto escola, coisa que me foi
enfadonho e deprimente fazer depois. Saber pilotar antes também fez com que eu
fizesse a prova do Detran com os pés nas costas, o que não aconteceu por
exemplo no caso do carro, não consegui passar, mas também só conhecia o carro
da auto escola, sem nenhuma outra experiência anterior. Dessa eu desisti, até
hoje aos 40 anos não tenho habilitação para carro, também não faço questão, não
tirei porque não tentei mais.
Aos 35 anos
me arrisquei pela primeira vez nas ruas como condutora de alguma coisa
motorizada. Escolhi um domingo de manhã, deixei a moto cair, me perdi, não
achava o caminho para casa, tudo como manda o figurino. No outro fim de semana,
falei que ia “passar a ponte”. A sensação foi tão legal que fui parar lá no sul
da ilha (em Florianópolis), claro, em outro domingo sem movimento.
As voltas
eram em lugares próximos, quando ia à casa do meu pai, voltava antes do
anoitecer pois tem um viaduto complicado de acesso à casa dele e à medida em
que ia ganhando segurança, ia ganhando bairros, municípios vizinhos, mas
enquanto estive com uma moto de 125cc e com pouca perícia nunca me arrisquei em
rodovias de grande movimento como a BR 101. Foram dois anos rodando somente em
bairros e municípios vizinhos por caminhos interiores.
Nesse período
tive fortíssimas crises de síndrome do pânico, já tive que parar moto em
acostamento para fazer exercício de respiração, tive sensações horrorosas de
olhar em volta e só ver carros ao meu redor no retorno do trabalho, sentir
pavor daquilo e ter que me concentrar e voltar a mim por saber que surtar
naquela situação seria mil vezes pior que tentar controlar os nervos, já tive
que parar em posto para beber água para me acalmar. Para ajudar, sou hipoglicêmica, tenho que
ter extrema disciplina com a comida principalmente em trechos mais longos sob
pena de sentir tonturas durante a pilotagem. Nesses 6 anos, consegui manter
essa disciplina e não passar por nenhum perrengue por esse motivo, às custas de
fardos de barrinhas de cereal, pencas de banana nos alforjes ou paradas
regradas para comer em viagens longas.
O começo de tudo na "trudinha - 2007" |
Somente no
terceiro ano e já com a mirage 250 é que me arrisquei em rodovias, no quarto
fiz viagens sozinha num raio de 200
km e no quinto ano acompanhando outra moto rompi a
barreira dos 500 km
indo de Florianópolis ao litoral paulista.
No início,
não andava em corredor, em hipótese alguma. Depois, quando via um espaço grande
entre carros, comecei a arriscar. Passava um, dois, três carros e voltava à
pista, depois cinco, oito, dez carros... hoje faço corredor com a mirage.
Desde o
início meu irmão foi o maior tira-dúvidas de tudo, pilotagem, mecânica, não
tínhamos outro assunto, ele deve ter até cansado, coitado!
Li os manuais
inteiros das duas motos, inclusive as dicas de pilotagem que vem neles, li
livros de mecânica de moto, blogs, sites, assisti a vídeos. Pode parecer louco
mas assisto vídeos de acidentes de moto (menos aqueles muito violentos),
procuro me informar como e onde aconteceram acidentes que fico sabendo, pois
eles dão dicas preciosas do que NÃO se deve fazer. Com essas informações
por exemplo nos meus trajetos diários, tenho um “arquivo mental” de faixas que
devo evitar, esquinas e sinais perigosos, onde tem buraco, onde os motoristas
costumam cortar a frente, coisas que os motoristas costumam fazer por hábito em
determinados lugares ou situações e por aí vai.
Participar de
fóruns na internet de pessoas que tem o mesmo tipo de moto que eu serve também
como um grande aprendizado e uma troca de experiências enriquecedora.
Fiz um curso
de pilotagem defensiva à distância e dois presenciais. Adoro moto, vivo moto,
respiro moto. Eu e meu namorado costumamos rir de situações como por exemplo:
moramos longe, morremos de saudade um do outro e nos falamos todos os dias por
telefone, mas vira e mexe estamos discutindo mecânica de moto, coisas que dá
pra fazer na moto, peças que tem que trocar, potência desse ou daquele outro
modelo e por aí vai.
Esse avanço
gradual possibilita a aquisição de segurança na pilotagem e a torna algo
prazeroso de se fazer, sem cobrança. Engraçado que há os dois casos: os que o
marido/pai/mãe/namorado/filhos tem pavor que a mulher tire carteira ou, depois
de tirada, cobram: “tirou a carteira e não vai andar”?
Num dos
cursos de pilotagem que fiz tinha uma moça que passava mal quando subia na
moto, e já estava habilitada, dava dó, e ela se achava obrigada, afinal, tinha
tirado a carteira. Tinha também muita vontade mas o medo era paralisante por não
ter aprendido nada na auto escola. Pilotar não é algo como respirar, que vc tem
que fazer toda hora, todos os dias. Tem dias que a gente sente que não está
para a coisa, e para isso existe carona, carro, ônibus, bicicleta. Não pode ser
obrigação, pois aí apavora mesmo. Tem que ser prazeroso. Pilotar só quando está
a fim, ajuda a ir tomando mais gosto pela coisa.
Algo que vejo
que geralmente não faz parte das grandes preocupações da mulherada é a
manutenção da moto. Canso de chamar a atenção de colegas (homens também, ai, ai
ai...) para pneus murchos, carecas, correntes frouxas, sem lubrificação e por aí
vai. São coisas bem simples de identificar, não precisa saber fazer, que em
geral esses cursos de pilotagem ensinam. Identificou? Leva no mecânico, pede
pro carinha do posto, mas não deixa assim. Fico pensando em quantos acidentes
não ocorrem por aí por falta de manutenção na moto, que poderiam ser evitados
se as pessoas fossem mais cuidadosas para com seus veículos.
É preciso
conhecer a moto, senti-la, saber como ela funciona, saber que “aquele
barulhinho” não é dela, que “aquela frenagem” não é típica, que “aqueles
soquinhos” não são normais.
Outra coisa,
às vezes passo por “ryca” mas não
costumo economizar em itens de segurança. Eu me f... para pagar mesmo. Hoje
tenho equipamentos que considero medianos, mas ainda tenho vontade de investir
em equipamentos melhores, então o que fiz foi ir adquirindo aos poucos uma boa
jaqueta, uma boa calça, um bom capacete, depois de tudo completo, ir trocando
por algo mais “top” à medida em que vai se desgastando. Já observei disparates
de pessoas com motos caréeeeesimas com o capacete mais baratinho do mercado. O
mínimo que se pode ter é um capacete decente.
Não sirvo
para santa nem exemplo, piloto sim no verão de regatinha, faço minhas bobagens,
mas via de regra, passeios maiores faço com o equipamento completo. E nunca,
nunca, nunca, nem para ir à padaria da esquina ando com os pés desprotegidos. No
dito tombo que levei, o que salvou meu pé do “lixamento” foi uma chuteirinha de
futsal (o pé prendeu e arrastou debaixo da moto, mas nem arranhou).
Depois de
seis anos, sem acidentes, sem multas, com alguma bagagem de experiência
adquirida, hoje me considero no estágio “aprendiz de motociclista”. Não me
considero excelente piloto. O que me faz sobreviver nessa selva é o cuidado que
tenho comigo, com os outros e com a minha moto. Talvez daqui há dez, quinze
anos eu talvez tenha algo a ensinar a alguém. Hoje só tenho a dividir. Não
posso dizer “olhe, faça assim”. Posso dizer “olhe, fiz assim e deu certo”.
Não é preciso
ser um “ser fodástico” para pilotar uma moto. Desses aí o céu está cheio. É
preciso vontade, paixão, disciplina e humildade. Se não tiver uma destas
qualidades, você pode aprender. Aprendi a ter disciplina pilotando, e
humildade, caindo.
Bora,
mulherada, estão esperando o que para abandonar essas garupas e se tornarem
protagonistas das suas próprias histórias de paixão e liberdade?
A mirage 250 em passeio recente |
INDICAÇÕES
IMPORTANTES
Blogs que me ajudaram/ajudam muito e cursos realizados:
Blog do
Youssef:
Blog do Amaral Instrutor (Também ministra cursos)
A CET - Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo,
oferece cursos on-line de pilotagem segura, com certificado inclusive, que
sempre trazem boas dicas de segurança na pilotagem e podem ser feitos por
qualquer interessado em todo o Brasil:
Em Florianópolis há cursos presenciais e gratuitos de
pilotagem segura, através do SEST/SENAT. As inscrições podem ser feitas no
endereço abaixo. O curso é voltado para o público motociclista, profissional ou
não e as aulas são feitas com motos fornecidas pela honda: