sexta-feira, 4 de março de 2011

PARTE II - A PACIÊNCIA


Quando se sabe o que é um simples medo de sair à rua, pilotar 60 km de ida e volta são a glória, mas para quem acha que viver é ainda mais do que se contentar com pequenos avanços, esse ainda não pode ser o limite.
A tão planejada viagem para o Sul do estado, para Alfredo Wagner, Bom Retiro, Lages, com possível passagem pela Serra do Rio do Rastro, Urubici, Grão Pará, foi programada para as minhas férias de janeiro de 2010.
4 de janeiro de 2010, um sol maravilhoso, primeiro dia de férias depois de toda a incomodação e estresse acumulados no trabalho. Acordei cedo para levar a moto para a revisão, mas antes fui com meu marido até o trabalho dele para deixa-lo lá.
Na volta ia passar em casa para pegar a bolsa com o manual e as coisas que precisava levar à concessionária e tomar um cafezinho.
Ainda numa mistura de sono e euforia, eis que me chama atenção na calçada ao lado um cachorro com sarna, mas daqueles que não tem mais um pelinho sequer no corpo. Fiquei com pena e pensei que podia tentar passar ali depois para dar comida ou talvez ver com alguém se podia dar algum remedinho.
Nos três segundos que gastei pensando nisso enquanto olhava para ele, eis que viro para a frente e dou de cara com um fiat uno parado na pista (é um calçadão estreito) e eu já perto, um pouco acima da velocidade permitida na via que é de 40 Km/h. Sem muito o que fazer, grudei nos dois freios com vontade e depois só lembro que tinha um monte de gente em volta, uns levantando a moto, outros falando comigo e tentando me levantar. Engraçado mesmo, só lembro da visão do carro e depois do chão. Pelo que sei a roda traseira travou e a moto arrastou.
Tive apenas pequenos ralados na canela e cotovelos, mas torci o ombro esquerdo, o que acarretou depois em uma bursite que doía por demais.
Até conseguia andar de moto depois, mas ficar muito tempo naquela posição com os braços estendidos era bem dolorido, então viagem nem pensar. Liguei avisando meu irmão do ocorrido e eis que ele veio correndo até a minha casa para – isso mesmo – tirar fotos da irmã cheia de curativos e rir da minha inexperiência.

Acho que isso é que é o mais legal nas pessoas que me cercam, ninguém me trata como incapaz e até mesmo meu pai ao invés de fazer aqueles discursos “vende essa moto sua louca” dividiu as experiências de seus tombos de lambretta e demos boas risadas sobre o assunto, claro que depois vem as recomendações de mais cuidado.
De asa quebrada, em casa, e com bastante dor, os planos ficaram adiados por quase um ano.
Passei as férias indo à praia de ônibus, afinal se é para ficar sentindo dor dentro de casa, eu vou é sentir dor na praia que é lugar quente e tem cerveja ;)

No retorno das férias, a volta às atividades estafantes, o compromisso com as aulas, a falta de uma atividade física regular e a frustração pelas coisas não feitas por conta de consultas, fisioterapias e dores que me deixaram “amarrada” no sentido de não poder sair para muito longe por causa desses compromissos, fez com que entrasse em novo ciclo depressivo, com direito a novos e constantes surtos de pânico. Passava mal até andando na garupa da moto.
Procurei vários tipos de atividade física, mas nada ia dando certo: odeio academia, pilates era caro demais, não conseguia mais fazer capoeira regional porque não tinha mais “pique” e não achava onde praticar angola, hidroginástica é “esporte de velho” e os horários rígidos da natação são um tanto complicados.
Já que tinha tentado de tudo, resolvi ligar para um dos clubes náuticos de Florianópolis para me informar sobre a prática de remo, mas sem muita perspectiva, afinal o remo sempre teve um status de esporte de elite e achei que não teria como bancar. A grande surpresa foi descobrir que o remo é um esporte acessível e possível de praticar, mas quando me passaram os horários achei que jamais conseguiria.
Comecei em março de 2010. Acordava às 05:15 e já estava lá as 06:00 para correr, aquecer, alongar e pegar o barco, chovesse ou fizesse sol.

As três primeiras aulas eram a corrida e um treino de remo na máquina da academia, a quarta aula era na água. Chegando o dia da tal quarta aula, entrei no canói, segurei os remos, aprendi os movimentos, e eis que logo me vi entre as escunas, entre as pontes que ligam a ilha e o continente até que comecei a pensar: e se esse treco vira?
Fiquei que nem um cachorro dentro de um barco, dura, tensa, com enjôos, tonturas e vontade de chorar. Respirei fundo e tive que de certa forma manter a calma porque a primeira coisa que se tem que pensar nessa hora é: eu me meti aqui, eu vou me tirar daqui.
Desse dia em diante tive que assumir que não conseguiria mais fazer nada se não voltasse a tomar as “inas”. Lá fui eu de volta para os remedinhos, para os consultórios, para as sessões de acupuntura.
Com a prática diária do remo, dentro de dois meses de atividade regular aproximadamente estava livre dos remédios.
Claro, com a grande ajuda da médica acupunturista que me tratava que me despertou para uma grande questão. Reclamei para ela que fico estressada, estafada, doente, ansiosa e em pânico porque sempre que olho para minha vida me dou conta que estou sempre fazendo tudo contrariada. Só cumpro obrigações e tenho a sensação de que minha vida não pertence a mim. Não tenho tempo ou dinheiro para fazer o que tenho vontade.
Nesse sentido o remo entrou como algo transformador: meu dia ficou maior, com a sensação de que estava sendo melhor aproveitado, fora uma sensação inexplicável de tranqüilidade ocasionada pelos espetáculos diários do nascer do sol, assistidos de local privilegiado: ora da baía norte, ora da baía sul.
A médica, porém, foi mais além ao afirmar que o problema não é só uma questão de aliviar a cabeça, mas de alcançar a dita felicidade. E que a prática do remo era sim muito benéfica, porém individualista, e que para alcançar a dita felicidade eu deveria me perguntar não só o que estou fazendo pela minha vida, mas o que também tenho feito em benefício dos outros.
Tinha o trabalho voluntário no pré-vestibular, mas esse, sinceramente não canso de repetir, foi mais doação dos estudantes do que minha.
Me formei em geografia numa universidade pública, portanto ir lá e dividir com aqueles estudantes o que aprendi em um tempo livre é antes de qualquer coisa uma obrigação civil de ajudar outras pessoas a também poder freqüentar uma universidade pública, e do ponto de vista emocional eles me ensinaram muito mais do que eu a eles.
Achei então que uma boa forma de ajudar aos outros seria tentando me melhorar o suficiente para mudar e ser melhor no trato com os outros.  Pelo menos é o primeiro passo. De que adianta sair por aí fazendo “caridade” se o interior continua mesquinho?
Iniciei nos estudos Kardecistas e tenho aprendido grandes lições, e o melhor, sem as amarras bitolantes das religiões. Uma filosofia que impulsiona o ser humano para a busca do autoconhecimento e para a prática do bem jamais pode ser bitolante.
Em julho fui afastada do remo por conta dos contratempos relatados no post “estou doente, e agora?”, publicados aqui neste blog. A grande perda, porém, foi compensada pelo ganho também ali relatado, um período de afastamento com grandes restrições mas também recheado com grandes emoções.

2 comentários:

  1. Legal o blog. Aventuras na terra, ná água e no ar, rsrs.

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  2. oi Dri,
    estou adorando ler o teu blog.
    Particularmente ri demais ao visualizar vc acordando cedo para remar! Parabéns pela iniciativa, estou aqui torcendo para vc conseguir superar isso tudo!
    E continue escrevendo, sempre!
    Ah! A família aumentou sim, amanhã faz um ano que somos quatro: eu, marido, Gabriela e Miguel.
    beijos
    Thaís

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